3X Pasolini

Se formos pensar que Pasolini, além de cineasta, era também poeta e filósofo, dá para entender que seus filmes não tinham intenção de serem obras de fino estético cinematográfico. Sua dramaturgia bastante pobre e os atores amadores, quase sempre péssimos, não ajudam em nada a melhorar o pacote. O diretor queria usar o cinema como forma de expor um certo estado de coisas na Itália das décadas de 60 e 70, uma forma militante de criticar acidamente uma sociedade que caminhava cada vez mais para o conservadorismo (que por sua vez, se aproximava bastante do fascismo). Por esse ponto de vista, sua obra ganha um interesse a mais.

Gaviões e Passarinhos (Uccellacci e Uccellini, Itália, 1966)

Gaviões e Passarinhos é uma comédia carregada por um tom marxista. Ou seja, estamos diante de um filme político, mas que se utiliza da graça para falar da luta de classes e da questão da exploração do homem pelo homem. Encontramos dois personagens, pai e filho (os atores Totò, famoso comediante italiano da época, e Ninetto Davoli, ator fetiche de Pasolini), numa estrada, quando eles encontram um gavião falante que lhes acompanhará por toda a viagem.

O filme se faz o tempo todo de dualidades, como na história de evangelização dos pássaros, em que no fim um gavião acaba atacando e matando um passarinho (a representação da subjugação do mais fraco pelo mais forte); ou no fim da jornada quando os dois personagens chegam a um casebre para cobrar o aluguel de uma família pobre, sendo que eles mesmos serão cobrados mais tarde por um rico proprietário que quer o pagamento pela casa onde moram. Tudo isso num texto leve, engraçado, nas mãos de atores com timing perfeito. Pasolini num de seus melhores momentos.

As Mil e Uma Noites (Il Fiori Della Mille e Une Notte, Itália, 1974)

Esse filme é o último da chamada Trilogia da Vida (formada ainda pelos fracos O Decameron e Os Contos de Canteburry), e de todos é o que mais gosto, de longe. A intenção é a mesma dos demais: através de histórias que envolvem sexo e libertinagem, sem o menor moralismo, explorar o instinto humano na tentativa de se confrontar com o conservadorismo italiano da época. Mas diferente dos anteriores, o diretor não tenta aliar escatologia (que nunca me agrada) à comédia. Todas as histórias têm sua cota de interesse, o roteiro consegue se fechar muito bem, o fantástico é bem dosado no filme e o texto parece bem mais caprichado.

Além disso, possui uma produção das mais caprichadas, porque, para dar consistência aos textos que se passam em regiões árabes, o tom exótico domina a tela, com figurinos e direção de arte bem vistosos e belos planos filmados pelo diretor. Parece ser seu filme mais cinematográfico. Se sua dramaturgia ainda é bastante pobre, é mais por ser uma marca do Pasolini do que por um defeito.

Saló ou Os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 Giornate di Sodoma, Itália, 1975)

O que menos me agrada no cinema do Pasolini é a escatologia, como já disse. Saló tinha tudo para que essa escatologia tivesse importância narrativa, que fosse pertinente e aí se justificasse, mas acaba se tornando repetitivo, tentando vencer pela asquerosidade. Com a II Guerra ainda em andamento, um grupo de aristocratas fascistas sequestram vários jovens e os enclausuram num castelo, obrigando-os a todo tipo de perversidade sexual e humilhação, o que envolve sadomasoquismo, fezes, urina e mortes (contos do Marquês de Sade foram a inspiração da obra). E o filme é só isso.

É bastante pertinente que toda essa perversidade seja cometida pelos fascistas, o que acaba sendo uma grande metáfora de toda a porcaria e degradação que o grupo realizou nos países ocupados. Mas o filme se acomoda no choque das cenas que, na verdade, nem são tão explícitas assim, embora à época tenham causado grande impacto nos espectadores. A ideia se esgota já no início. Muita escatologia para pouco discurso.

6 thoughts on “3X Pasolini

  1. Desses eu só vi SALÓ e, bem, vamos lá… rs. Eu entendo o que você disse, e o porquê de não gostar do filme. Mas eu acho que o Pasolini simplesmente fez um dos retratos mais avassaladores e reais do verdadeiro significado do fascismo. Não é um retrato histórico-político, mas humano. E isso me conquistou. Acho que, numa comparação meio absurda, mas que me vem à mente agora, seria mais ou menos o que A FITA BRANCA faz… com bem mais sutileza, é verdade.

  2. Realmente Wallace, o retrato que o Pasolini faz do fascismo é mesmo avassalador, e o mais incrível é que não é explícito, direcionado. Ou seja, é um filme político sem o ser, como A Fita Branca também o é, mas com um tom diferenciado. Mas mesmo assim, acho o filme monótono demais, os 20 minutos iniciais já me dizem tudo isso sobre a obra. O resto é exposição.

    Mais um né, Kamila! Corre atrád dos filmes do cara.

    Cristiano, aproveita e se anima para ver.

  3. Uhm, Pasolini é mais um cineasta louvado com quem ainda não me familiarizei; estava planejando ver justamente SALÓ em primeiro lugar, mas agora estou em dúvidas se isso seria um bom começo…

  4. Gustavo, que tal começar pela trilogia da Vida (O Decameron, Contos de Canteburry, As Mil e Uma Noites)? Acho que seria uma boa introdução ao universo dele. Saló é um tanto pesado mesmo, além de ser o último filme da carreira do Pasolini.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Arquivos