Prata da casa, New Life S.A., o representante local na competição do Festival de Brasília, poderia ser chamado também de “a cota da casa”. Dirigido por André Carvalheira, o filme aposta em certo tom satírico e nas relações escusas entre os personagens para apontar o dedo para uma elite política e corporativa mesquinha e alinhada com o que de mais perverso e hipócrita existe no mundo político e capitalista. Tudo muito raso e calculado para soar risível e/ou nefasto, sem muita nuance, o que fez muita gente questionar o que o filme fazia dentro da competição do festival.
Com esse nobre intuito de fazer um grande julgamento de classe, Carvalheira acaba apresentando um filme óbvio, uma crítica banal e quase infantil baseada no cinismo de seus personagens, sem o mínimo de complexidade. Na trama, Augusto (Renan Rovida) é um jovem engenheiro envolvido num grande empreendimento habitacional que está sendo construído em região de preservação ambiental e ao lado de uma ocupação. Junto com o sogro, ligado a um inescrupuloso político que busca se eleger no próximo pleito, eles querem levar o negócio adiante, mesmo depois de um incidente trágico no canteiro de obras.
Todo o filme nos leva a situações que querem revelar as facetas mais podres de todos os envolvidos. Aqui, não sobra um único tipo que não seja cínico ou insensível, em todos os círculos por onde o filme passa (desde os trabalhadores da obra até o alto escalão do poder). Há um curioso núcleo de personagens de atores que precisam interpretar uma família feliz dentro do apartamento que é parte do condomínio construído por Augusto. É como uma publicidade ao vivo, um reality show da vida inventada e perfeita de uma família de comercial de margarina, em que os personagens, depois de um tempo, podem até trocar de papel – a atriz que faz a empregada se cansa e quer ser a patroa. Essa é certamente a melhor sacada do filme, mas mesmo aí o roteiro só consegue ir para o lado cômico da coisa, quase um adendo a pontuar as micro-hipocrisias familiares.
Augusto é o único personagem que parece incomodado com tudo isso, à beira de uma crise de consciência, aquele limite questionador que poderia apontar para uma ruptura, um outro caminho ou, pelo menos, que representasse um entendimento do que está nas bases dessa estrutura – como acontece de alguma forma em um filme exemplar como Obra, de Gregório Graziosi, só para ficar em um exemplo muito próximo em termos de “personagens engenheiros representantes de uma alta classe econômica”. O problema é que em New Life S.A. este despertar nunca vem. O filme faz mesmo um último esforço lá no final para afundar ainda mais o personagem em sua pobreza de espírito. Ou seja, fica tudo como está.
Vêm à tona aqui aquela velha discussão sobre como filmar o inimigo, como lidar com personagens, situações e atitudes opostas àquilo em que acreditamos. A escolha de Carvalheira é pela caricatura e ridicularização, como que tentando nos fazer rir dos absurdos que se enumeram na tela. Mas escapa ao filme que esse ridículo é também trágico, cruel e tem ligação com um perigoso pensamento ultraconservador que vem ganhando cada vez mais força nas ruas do Brasil (refletido nessa gente que quer eleger um sujeito como Jair Bolsonaro, hoje à frente das pesquisas eleitorais).
Sem fazer nenhum tipo de tratamento mais complexo e analítico sobre a situação, New Life S.A. sofre de um grave problema de desvio de atenção, ou antes, revela uma inabilidade que temos de reagir a isso se não for pelo simples riso. Incapaz de lançar luz sobre o porquê de tais comportamentos, mesmo que seja uma ideia, uma aposta ou um pensamento reflexivo, o filme só consegue alcançar a caricatura, e faz isso da forma mais pedante possível. Enquanto isso, o outro lado comemora e se fortalece. Vamos rir até quando?
New Life S.A. (Brasil, 2018)
Direção: André Carvalheira
Roteiro: Aurélio Aragão e Pablo Gonçalo