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Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa

A vez das anti-heroínas*

Demorou um tanto para que o protagonismo feminino aterrissasse no universo dos filmes de super-heróis, diante de tantas franquias de sucesso, arrasa-quarteirões que encontraram um nicho de mercado lucrativo nos últimos anos, além de investir numa roupagem mais “séria” e “realista”. Filmes solo como Mulher-Maravilha e Capitã Marvel só saíram do papel de três anos para cá.

E agora chega a vez do girl power no campo das anti-heroínas. Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa, de Cathy Yan, estreou nos cinemas esta semana com dupla tarefa: fazer coro aos anseios por mais representação e presença feminina, à frente e por trás das câmeras, e ainda superar o fracasso, de público e crítica, de Esquadrão Suicida, origem da protagonista aqui.

Margot Robbie reprisa a personagem do filme anterior. É a mesma boneca malévola, por vezes destrambelhada e ingênua, outras ultraviolenta, mas sempre inconsequente, excêntrica e tresloucada. O filme tem um toque de despretensão, humor ácido, narrativa pop cartunesca, nada de muito novo nesse cenário, mas oferece aquilo que se espera dele. E, mais que isso, tem uma grande diferença em relação ao seu antecessor: o filme funciona.

Funciona como cinema de ação, como comédia e diversão descabida e funciona no âmbito da representação. As mulheres são donas do filme, desde a direção comandada por Yan, passando pelo roteiro escrito por Christina Hodson e ainda conta com Robbie como produtora do longa. A própria trama, apesar de centrada na Arlequina, reúne um time de mulheres que se vêem juntas combatendo o crime numa Gotham City sombria, ainda que propensa ao colorido festivo e psicodélico que a franquia trouxe.

O vilão da vez é o Máscara Negra (Ewan McGregor), um magnata e poderoso homem de negócios que tem suas articulações políticas escusas na cidade. Quando um diamante seu é roubado pela ladrazinha de rua Cassandra Cain (Ella Jay Basco), as Aves de Rapina se unem para salvá-la antes que ele capture a jovem. Isso contado a grosso modo aqui porque a trama, narrada pela própria Arlequina, assume um tom rocambolesco, com idas e vindas no tempo.

Emancipação

A palavra já está lá no título. Aves de Rapina vende uma ideia de independência feminina arrancada a fórceps, já que se apresenta em meio a uma trama violenta e a partir das atitudes amorais da protagonista. Não à-toa a trama do filme começa quando Arlequina rompe com seu outrora amado Coringa (ele que só é citado no filme, nunca aparece em cena).

Ela não precisa mais estar à sombra do até então grande personagem da franquia que, agora, não tem vez no filme (ainda mais depois da péssima recepção que a caracterização e a performance de Jared Leto tiveram no filme anterior).

E mesmo isso é explorado na trama porque, sem a proteção do Coringa, os antigos oponentes e todos para quem ela fez algum mal (a Arlequina também tem um passado sombrio e nada edificante) resolvem então se vingar dela. Portanto, ela vê uma chance para enfrentar seus inimigos (enfrentar o patriarcado, por que não?) e, de quebra, provar que pode seguir vivendo (e lutando) livre de qualquer dominação.

Assim como em muitos filmes recentes (As Golpistas, As Panteras, Rainhas do Crime, para citar alguns poucos exemplos), tal proposição da emancipação feminina pode ser vista, dentro de um blockbuster de super-heróis (ou de super-vilões neste caso), como uma mera forma de lucrar em cima do tema do momento. Aves de Rapina possui mesmo esse desejo de ser uma defesa da força e da determinação femininas, mas pretende também fazer um filme em que mulheres combatem juntas o crime e isso seja tão atrativo quanto qualquer outro exemplar do gênero.

Time desequilibrado

Com uma protagonista tão forte e de personalidade marcante, muito bem aproveitada pela trama, ainda sobra espaço para que outras mulheres se juntem ao time em busca do mesmo tipo de independência e anseio por liberdade (e, às vezes, por vingança também), apesar de haver um desequilíbrio de atenção dado a elas aqui.

O quadro improvável das Aves de Rapina é formado ainda pela policial Renee Montoya (Rosie Perez), ela que é a mente investigadora por trás das ações da polícia, mas cujo mérito é sempre atribuído a seu chefe (um homem branco, por sinal); a Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell), uma cantora de voz potente que vive sob a dominação do Máscara Negra; e ainda tem a Caçadora (Mary Elizabeth Winstead), uma misteriosa mulher que busca vingança contra o homem que matou sua família.

Não podia deixar de ser um time feminino com questões de dominação e sujeição a serem resolvidas, e nessa trama cheia de idas e vindas os anseios de todas elas se unem como se formassem um único propósito. Uma pena que algumas delas acabem ganhando mais destaque, como a Canário Negro e, em menor medida, a policial Montoya. A Caçadora preserva seu mistério até boa parte da projeção e poderia ser melhor explorada na trama.

De qualquer forma, Aves de Rapina passa como uma grata surpresa quando muitos esperavam o mesmo desastre do filme anterior, e assume bem as questões do feminino que insere na trama, sem querer reinventar a roda. Porém, acima de tudo, oferece um produto reconhecível dentro da franquia, em tom e atmosfera, com boas doses de ação e diversão despretensiosa. Tem espaço até para uma sátira de um dos números musicais mais famosos de Merilyn Monroe: Diamonds Are a Girl’s Best Friend, visto no clássico Os Homens Preferem as Loiras (1953), de Howard Hawks.

A sequência de Esquadrão Suicida vem aí, prometido para o próximo ano (veremos se eles aprenderam a lição), assim como uma continuação das aventuras de Arlequina e sua turma dependem do bom sucesso e recepção desse filme aqui, o que não parece difícil de acontecer.

Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa (Birds of Prey: And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn, EUA, 2020)
Direção: Cathy Yan
Roteiro: Christina Hodson

*Publicado originalmente no Jornal A Tarde (edição de 08/02/2020)

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