Dir: Stephen Daldry
O Leitor nada mais é do que uma história bem contada, embora o filme não traga nada de novo e por um momento eu me peguei pensando em como ele conseguiu ser indicado ao Oscar, para logo depois me lembrar de como a Academia adora esse tipo de obra. Existem idéias no filme que poderiam ser melhor exploradas, como a questão da culpa que parecer ser a grande razão de ser de toda a narrativa.
Dessa forma, o filme se apresenta a partir de três núcleos narrativos bem definidos, que mantêm o bom andamento da narrativa sem grandes problemas, sem uma ser melhor que a outra, embora o tom de cada momento seja distinto. O início é filmado com cautela na medida em que Michael vai conhecendo o sexo e aquela mulher um tanto rude, misteriosa e escapista. A relação dos dois parece ser bastante frágil, embora muito importante para ele.
Quando o filme apresenta as cenas do tribunal, O Leitor ganha densidade ao apresentar o drama dessa mulher acusada de trabalhar por livre vontade no campo de concentração de Aushwitz. Ela sabia o que estava fazendo, e uma grande falta do filme é retratar a personagem com certa ingenuidade pelo que fazia, pelos judeus que matou. Mas o filme vai mais além ao expandir a responsabilidade daquilo tudo a todo o povo alemão.
Não podemos esquecer que Hitler e toda sua trupe tinha o grande apoio da sociedade alemã. Havia, é claro, aqueles que o apoiavam por medo, mas a classe média e a aristocracia do país sempre estiveram ao lado do amado füher. Daí vem a pergunta: se todas aquelas pessoas estavam de acordo com o que Hitler praticava e pregava, se elas conheciam as atrocidades cometidas, por que somente umas cinco pessoas são condenadas? O resto não se sente culpado? É esse ponto que o filme pretende alfinetar e incomodar, pois sugere que é mais fácil culpar algumas pessoas e se isentar da responsabilidade.
Algo semelhante é o que acontece com Michael quando decide não revelar um segredo que poderia salvar Hanna ou pelo menos deixá-la em uma situação diferente (algo que o filme tenta explorar como uma grande revelação, e que não funciona). Mas Michael não o faz, talvez em respeito à atitude dela. É com seu silêncio, em nenhum momento repreendido, que ele se sente culpado; a dor o perseguirá pelo resto da vida.
Stephen Daldry, depois do excelente As Horas e do ótimo Billy Elliot, compõe aqui uma obra sem grandes riscos, se apoiando numa história coesa e significativa. Kate Winslet, mais uma vez, constrói o personagem com talento (confesso que ainda prefiro sua atuação em Foi Apenas um Sonho), embora o personagem central da história seja Michael e o remorso que carrega. Nesse sentido, tanto o novato David Kross quanto a expressão melancólica de Ralph Fiennes cumprem bem seu papel. Lena Olin aparece em duas curtas cenas, mas causa ótima impressão. A trilha sonora de Nico Muhly embala tudo num misto de tristeza e carinho, quase no limite de extrapolar o tom.
Numa cena bastante curiosa percebemos como a protagonista se envergonha quando Michael está lendo para ela um trecho um tanto picante de O Amante de Lady Chatterley (escrito por D. H. Lawrence). Hanna o censura, mas não percebe que algo semelhante àquilo é o que ela própria pratica com Michael. Talvez O Leitor seja sobre isso: sobre fazer algo e não ter noção disso. Noção do quão perverso podem custar nossas atitudes.
Eu não assisti “Foi apenas um sonho”, mas gostei muito de Winslet neste filme.
Concordo que não foge ao normal, mas é um bom filme…
Apesar de alguns textos bem negativos sobre O Leitor, ainda é um dos que mais quero ver dessa safra do Oscar. Gosto do Daldry e da Winslet.
Mais uma excelente crítica sobre um grande filme! Parabéns!
Eu acho que a questão do nazismo, no roteiro, é meramente temporal. Na minha opinião, o que mais incomoda não é o fato da barbárie bélica, e sim os efeitos de um relacionamento fadado ao fracasso. Tanto que a crueza de Michael se deve ao fato dele saber aquele “segredinho” sobre Hannah e não tomar a atitude para salvá-la. Eu achei justamente essa sequência judicial um porre! Um filme bem mediano… Eu já presenciei vários bate-bocas em sala de aula por causa desse “apoio” alemão ao poder vingente na época. Um professor do mestrado ficou enfurecido quando um aluno acusou o filósofo Martin Heidegger de ser nazista. Fato é que ele expulsou um aluno judeu da Universidade de Berlim quando era reitor da instituição e pagava uma contribuição ao partido nazista. Talvez um diretor alemão, ao invés de um inglês, se aprofundasse melhor nessa temática…
Abs!
Elizio, também gosto da Winslet nesse filme, mas em Foi Apena um Sonho ela tá melhor. E sabe que numa revisão o filme foi para 3 estrelas? Bem normal.
Wallace, também gosto do Daldry e da Winslet, mas não vá esperando um grande filme.
Obrigado Filipe, mas nem acho o filme tão grande assim (numa revisão caiu para 3 estrelas) nem meu texto. Apenas impressões. Nada demais.
Então Dudu, essa coisa da culpa do povo nazista podia ter ganho mais espaço no filme sim, mas essa questão do fracasso do relacionamento e de como o personagem se modificou por causa da omissão, se tornou mais importante no filme. Pra mim, a sequência do julgamento só peca por tornar a Hanna uma coitadinha e tentar defendê-la. No mais um bom filme e só.
Rafael, acho que o grande mérito de “O Leitor” é ser um filme passado no Holocausto sem sequer explorar muito o assunto. O grande destaque é o relacionamento contado, que tem um dom dramático complexo que só Daldry sabe fazer. Eu adoro o filme e sou um defensor de suas indicações ao Oscar. Minh nota ficou em 8.5.
Rafael, gostei muito do seu texto sobre “O Leitor”, pois você trás uma interpretação sobre o drama que até então não havia lido em outros locais. E você deixa o seu conceito sobre o filme bem descrito no último parágrafo. Bem, dos filmes que assisti nos dois últimos meses indicados ao Oscar ou antes considerados para a premiação não me foram muito brilhantes (talvez com exceção de “Dúvida” e “I’ve Loved You So Long”, este segundo sendo lamentavelmente esnobado pela Academia) e não vejo “O Leitor” como a “praga” desta edição do Oscar. Não é um filme excepcional, mas provavelmente ficará guardado em minha memória por um bom tempo, especialmente o clímax com a grande Lena Olin!
Matheus, interesante pensar no filme sob essa perspectiva. Mas ainda acho que o relacionamento dos dois é reflexo da culpa do povo alemão. Numa revisão, o filme ainda caiu um pouco no meu conceito, vai para 3 estrelas.
Alex, bom que gostou do texto. E essa seleção do Oscar não foi das melhores não, viu! Dúvida é mesmo muito bom, mas o melhor para mim tem sido O Lutador, pena que não foi indicado a melhor filme. Il Y A Longtemps que Je T’Aime eu ainda não vi, mas estou curiosíssimo. Mas também não vejo O Leitor como praga, só achei um exagero a indicação dele.
Gostei do filme. E acho que captei a mesma impressão que você teve, Rafa. No meio de toda a história, existe uma noção de culpa que impede que o jogo da vida dos personagens siga seu rumo sem um pé no passado. E essa visão se casa exatamente com a culpa alemã, carregada sem revelações, no entanto, muito presente no íntimo.Percebe como as noções de culpa são tão fortes que os personagens não se sentem à vontade de compartilhá-los nem dentro dos seus relacionamentos? Adorei essa perspectiva do Daldry.A atuação da Kate está perfeita, como dos atores que fazem o Michael, cada um em seu tempo. E a chave do filme com relação à culpa alemã está em um daqueles seminários de faculdade do Michael, quando um colega começa um diálogo tirando a cortina da hipocrisia sobre os genocídios e deixa muita gente sem respostas.
Então Indhy, também acho que aquela discussão na faculdade seja um ponto central do filme para discutir a culpa de todo o povo alemão que se refelte nas relações fracasaadas dos dois personagens. Só acredito que essa ideia podia ser mais bem desenvolvida. E não acho a Kate tão perfeita assim, somente bem.