Banho gelado

Inferno (L’Enfer, FRA, 2005)

Dir: Danis Tanovic

Embora tenha sido pouquíssimo visto e divulgado, Inferno me surpreendeu por suas enormes qualidades narrativas. O filme é concebido a partir do roteiro do diretor polonês Krzysztof Kieslowski em parceria com Krzysztof Piesiewicz, criando o que seria uma trilogia composta ainda por Paraíso e Purgatório, livremente inspirados na obra literária A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Acontece que antes mesmo da pré-produção do primeiro filme, Kieslowski morreu e a produção dos filmes foi esquecida. Isso até o ano de 2002 quando o diretor alemão Tom Tykwer dirigiu Paraíso (que eu ainda não vi). Em 2005, Danis Tanovic, diretor bósnio responsável por Terra de Ninguém, ganhador do Oscar de Filme Estrangeiro de 2002 (concorria com Amélie Poulin e O Filho da Noiva), se aventura na adaptação do segundo filme da trilogia com excelente resultado.

Somos apresentados à história de três irmãos cujas vidas emocionais vão de mal a pior. Sophie (Emmanuelle Béart, excelente em cena) desconfia da fidelidade de seu marido; Anne (Marie Gillain) se vê perdidamente apaixonada por um homem casado, seu professor e pai de sua amiga; e a ingênua e insegura Céline (Karin Viard) não consegue se relacionar com ninguém e é a única que ainda visita a mãe que se encontra presa a uma cadeira de rodas numa clínica de recuperação. Dessa forma, Inferno se mostra um drama familiar que para justificar as atitudes de suas personagens busca respostas em seu doloroso passado.

Vindo de Kielowski, o roteiro não poderia ser menos que excelente. Nada no filme é muito explícito sendo preciso buscar nas entrelinhas as respostas para os detalhes da trama. Além disso, o texto é bastante direto e coeso já que ao final todas as pontas se encaixam. Há ainda algo de frieza que permeia a vida daquelas personagens (a cena final, por exemplo, é um banho de água fria). Tanovic, com alguns movimentos de câmera estilizados confere dinamismo ao longa e consegue através de imagens dizer muito mais que palavras. Graças também ao excelente nível de atuação de todo o elenco, que perece se comunicar bem mais com olhares, alcançando resultados assustadores.

Fazendo uma interessante relação com o mito grego da Medéa (que para se vingar do marido, mata seus próprios filhos), o filme investiga os traumas da infância que permanecem como um estigma na vida das pessoas e de como a desestruturação do núcleo familiar pesa tanto nessa questão. E não espere redenção, nem tudo na vida se acerta.

PS: O colega de faculdade Caíque é o responsável pelo site Núcleo Universitário e publicou recentemente um texto meu sobre o excelente O Céu de Suely. O link está aqui para quem se interessar.

7 thoughts on “Banho gelado

  1. Adentrando essa esfera cinematográfica européia como estou, provavelmente conferirei filme, cuja temática parece forte, embora o trabalho de Tanovic como diretor não me seja familiar.
    Recomendação anotada!

  2. Também gostei bastante desse filme, e olha que não estava com expectativa alguma quando o vi no cinema. O melhor francês desse ano, só perdendo para “Piaf” – que é ótimo, não deixe de ver.

    Abraço!

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