CachoeiraDoc – Parte II

Homem Comum (Idem, Brasil,
2014) 
Dir:
Carlos Nader

Há maneiras tradicionais e objetivas de documentar a
vida de pessoas ordinárias, tema de muitos filmes recentes (grande foco do
cinema magistral de Eduardo Coutinho). Carlos Nader, com seu Homem Comum, mistura seus próprios
anseios num filme curioso e nunca óbvio, que coloca em xeque a própria faceta do sujeito simples.
A ideia original era construir um filme em que o
diretor abordaria aleatoriamente caminhoneiros para lhes questionar sobre o
sentido da vida, ou do absurdo dela. Uma proposta com fundo claramente existencialista.
Mas um dos entrevistados passa a ganhar a atenção de Nader, e o filme torna-se
o retrato de uma amizade que nasce entre ele e Nilson de Paula, um homem desses,
“comum”.
Em 1995, quando se conheceram, Nilson era casado e
tinha uma filha pequena. Nader passa a se aproximar da família dele,
registrando sempre que podia esses encontros com câmera amadora (chegou até a
filmar posteriormente o enterro da esposa de Nilson, a pedido dele próprio). A
relação de intimidade que se estabelece ali é fundamental para que o filme seja
também sobre as dúvidas que perturbam o próprio cineasta.
Na construção narrativa do filme, o diretor,
obcecado por questões filosóficas, intercala trechos do filme A Palavra, clássico do diretor
dinamarquês Carl T. Dreyer, e ainda uma encenação em inglês da mesma história,
só que a seu modo, mais dramática. Nader expõe no filme suas próprias
impressões e dúvidas existenciais, mas sem o peso da densidade filosófica que
uma exposição sobre esses temas pode suscitar. Ele prefere utilizar os rumos de
vida daquele sujeito “simples” (que ganha cada vez mais camadas), porque é ali,
como em cada um de nós, que reside essa complexidade de perto.
Homem Comum explora ainda as muitas possibilidades de encenação,
seja nos direcionamentos que pede ao próprio Nilson e sua família, seja na
intercalação das narrativas ficcionais que incorpora a sua narrativa
fragmentada. E constrói um filme surpreendente usando o aparente banal como
ponto de reflexão sobre a condição do homem no mundo, numa obra, acima de tudo,
muito carinhosa com seus personagens.
Luíses –
Solrealismo Maranhense
(Idem, Brasil, 2013) 
Dir:
Lucian Rosa
 
Num
filme provocativo por natureza, exala de Luíses
– Solrealismo Maranhense
uma vontade sincera e muito grande de balançar os
ânimos do público contra todos os problemas sócio-políticos que se amontoam no
Maranhão. Realizado por um coletivo e com recursos mínimos (pouco mais de R$ 1.200),
existe claro um propósito de denúncia política muito forte. E esse é sempre um
perigo narrativo muito grande.
O
filme evoca a lenda maranhense da serpente adormecida que vive debaixo de São
Luís. O animal cresce tanto que um dia irromperá da terra e afundará a ilha. É
o gancho ideal para metaforizar a própria ira e indignação dos grupos
desgostosos com os rumos políticos do estado (pegando carona também em todas as manifestações que tomaram as ruas do Brasil desde o ano passado). É uma
forma também de propor um movimento artístico-politizado, o solrealismo, com
sua roupagem tropicalista surreal.
Como
filme de combate, portanto, Luíses agrega
outras imagens e intervenções, na sua colcha rendada de discursos ora eufóricos,
ora centrados. Estamos aqui longe de dizer que as mazelas sociais, o controle do
estado sobre os meios de comunicação e a predominância de grupos políticos no
poder não sejam temas vitais e que estão no cerne dos problemas enfrentados
pela população de São Luís.
No
entanto, por mais que o filme se proponha a intervenções ficcionais e
provocativas que tentam dar conta dos enfrentamentos práticos diários de muita
gente (transporte público caótico, violência crescente, condições de moradia
precária), além de imagens surreais, quase experimentais no seu formalismo
poético, o tom panfletário ainda está ali, e por vezes de forma muito
simplista. Ou antes, tem tantas coisas para apontar que pouco consegue formular
solidamente. 

Não deixa de ser uma
maneira direta de expor situações complexas e que exibe a vulnerabilidade de
uma população (notadamente os mais pobres). Porém falta certo apuro na maneira
como esses elementos se conformam e se interconectam numa narrativa que suscita
tantas questões urgentes.

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