Entre mistérios e apatias

O Homem
Duplicado

(Enemy, Canadá/Espanha, 2013)
Dir:
Denis Villeneuve
Curioso
pensar que existe uma personalidade cinematográfica forte nesse filme, adaptado
da obra homônima de José Saramago, também ele senhor de uma escrita
marcadamente pessoal. Numa transposição para o cinema, esse tipo de material
exige um pulso firme. Villeneuve parece saber muito bem disso, dirige o longa
com respeito aos mistérios que a história proporciona, muito próximo de seu
universo de tensões e intrigas.
No
entanto, isso não quer dizer que a obra, no cinema, seja necessariamente
satisfatória. É certo que Villeneuve estabelece um clima de estranheza aqui,
mas em grande parte do longa não parece haver muito o que fazer com isso,
apostando o tempo todo numa cansativa atmosfera de desespero, para além do tom surreal
mal ajambrado, pincelado aqui e ali na trama.
Ora, o
professor de História Adam (Jake Gyllenhaal) descobre, por acaso, um duplo seu,
homem idêntico que vive na mesma cidade. Segue-o e fica visivelmente
desparafusado quando atesta a semelhança entre ambos, não sabe o que fazer
depois disso. Tem um relacionamento levemente conturbado com a namorada
(Mélanie Laurent); no outro polo, seu sósia Anthony trabalha como ator
secundário em pequenas produções, possui comportamento mais arisco e lida com o
ciúme constante da esposa grávida (Sarah Gadon).
São
esses pequenos conflitos que permeiam a rotina já instável dos dois homens, o
que só se agrava com a descoberta da estranha duplicidade. Há certa melancolia
posta em cena, ajudada por uma trilha sonora soturna e bela, mais fotografia
quente e não naturalista. Ainda que a história, não contente com essa atmosfera
de um quase torpor, invista em alguns lances misteriosos envolvendo visões e
sonhos que perturbam os protagonistas, a narrativa não abandona sua apatia.
Na terça
parte do filme, a coisa ganha outros elementos porque alguém decide deixar de
ficar estupefato com aquela situação e fazer algo. Mas é justo quando o roteiro
desanda, as situações soam forçadas para que algo inevitável (e trágico)
aconteça e uma curiosa reviravolta tome conta da história no seu final. Quando
o filme resolve se mexer, é para pior.
Existe
ainda uma impressão forte de que as enigmáticas imagens que envolvem uma chave,
reuniões secretas numa casa misteriosa e (mulheres-)aranhas existam como algo
de simbólico, tudo envolto numa névoa de segredos da qual o filme está pouco
interessado em desvendar. Não oferece nem mesmo caminhos perceptivos mais
direcionados, ainda que sem a pretensão de se revelar por completo (como
acontece no melhor David Lynch, por exemplo); dificulta mais do que ajuda. 

Esse é o braço surrealista do filme, contribuindo
muito pouco para uma já apática história, ou antes tem o objetivo de causar
certa impressão no espectador, ainda que gratuita. Está tudo tão concentrado em
parecer bizarro e insondável que acaba soando como mero capricho, chegando ao
ápice numa cena final desconcertante. Pena que até aí muita coisa já ruiu em
meio aos mistérios.

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