Olhar de Cinema: Los Conductos

O maior trunfo desse estranho e pessoal filme colombiano é sua capacidade de estabelecer um universo muito próprio, ao mesmo tempo muito real e também um tanto fabular, entre as ruas perigosas do submundo de Medellín e os meandros psicológicos de um personagem tão fascinante e misterioso como o protagonista, Pinky (Luis Felipe Lozano). Mas até o final, Los Conductos acaba por se configurar por um filme de forte viés político e altamente simbólico sobre um certo estado de coisas, ainda que em grande medida sua “mensagem” possa passar como cifrada demais, em algum sentido.

Porém tal caráter, digamos, social que o filme carrega só vai transparecer mais fortemente nos momentos finais. Antes disso, Los Conductos está empenhado em formatar esse universo por onde o personagem trafega e a casca formal que ajuda a criar esse ambiente: a fotografia granulada em 16mm e sombria, pontuada aqui e ali por focos deluz, o formato de tela quadrangular, o som a dar conta do que se passa fora de quadro. É uma composição de mise-èn-scene que remete aos trabalhos anteriores de Restrepo e sua cuidadosa estilização, aqui muito propícia a um filme que parece completamente fechado em si como ficção, mas que esconde entremeios muitas vezes nebulosos.

Basta saber que Pinky interpreta uma versão de si mesmo no filme (este é um apelido do próprio ator), ele que de fato foi cooptado no passado por uma estranha seita religiosa, hoje livre dessas amarras, que não eram apenas dogmáticas. Seu personagem carrega a mesma sina de cooptação no passado, a trafegar por subempregos em fábricas clandestinas de roupas de grife falsificadas controladas pela seita – sendo também um misto de gangue –, uma Colômbia no limiar da marginalização e do crime. Ainda que a seita, liderada pelo “Padre”, não se revele no filme como tal, ela paira como uma ameaça à espreita (assim como as câmeras de vigilância no shopping onde Pinky vai revender as roupas que ele roubou), não sem antes produzir também um desejo de retaliação.

Pinky encarna a ovelha desgarrada e segue no intuito de promover alguma forma de vingança contra o Padre que por muito tempo lhe influenciou. Mas esse sentimento de revidar não torna o personagem um homem de todo livre, antes mais como um andarilho à deriva e sua história é atravessada por outras narrativas entrecruzadas. Se a primeira metade do filme preocupa-se com a construção desse ambiente entre a hostilidade e as possibilidades de trânsito no submundo, em determinado momento a narrativa ganha um tom de exercício de estilo que, por mais que continue mantendo a coesão formal, leva o filme a tatear modos muito incertos de dar sentido às digressões que o filme promove e os caminhos tortuosos por onde o protagonista trafega, em fuga e processo de encontro.

Los Conductos segue para muitos lugares distintos – alguns deles até como despiste pela maneira como determinados personagens e tramas aparecem em cena. O maior deles é “Desquite” (traduzido como Vingança), mezzo assassino, mezzo revolucionário, referência a um personagem real louvado em texto do poeta Gonzalo Arango (transcrito na cartela ao fim do longa). É aí que o filme expõe sua cartada final, a observação de como a vida de muitos indivíduos, esses deixados à mercê da desigualdade e da degradação, seguem a sina daqueles que a Colômbia não soube acolher e cuidar, e acabam espelhando o caminho da violência.

Los Conductos (Colômbia/França/Brasil, 2020)
Direção: Camilo Restrepo
Roteiro: Camilo Restrepo

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