Revolta popular é contada com precisão histórica em documentário baiano*
A História da Bahia tem sido muito pouco fonte de inspiração para o cinema local. São raros os filmes, documentários ou ficções, que se debruçam sobre fatos constituintes da nossa trajetória social, em especial as revoltas populares que marcaram os anos de domínio colonial e do Império. O cineasta baiano Antonio Olavo busca suprir essa lacuna com o lançamento de 1798 – A Revolta dos Búzios (e de outro projetos futuros).
O título do filme já identifica o período histórico e a Revolta que se deu a partir da insatisfação da população soteropolitana mais pobre e humilde, em grande maioria negros escravizados, diante das opressões sofridas e das péssimas condições de vida que enfrentavam naquele momento em que Salvador fazia parte da Capitania Hereditária da Baía de Todos os Santos.
“Que história é essa / que me pai não me contou?”, diz a letra de um rap cantado logo no início do filme. Pois Olavo toma para si a difícil tarefa de revelar as minúcias dessa Revolta, diante dos seus muitos detalhes e pessoas envolvidas. Difícil não apenas pela complexidade das questões ali envolvidas e do emaranhado de tramas e desdobramentos, mas também na tentativa de encontrar uma tradução cinematográfica para tal.
De início, elege os Autos da Devassa – documento oficial do inquérito que se seguiu aos meses de convulsão e tentativa de revolta popular – como fonte primordial, não só como norte de pesquisa. A própria narração do filme é retirada do texto original dos Autos, assim como as falas de muitos envolvidos no caso são reproduzidas o mais fielmente possível como aparecem nos documentos.
No caso das falas, Olavo contou ainda com a colaboração de alguns atores que incorporam esses personagens reais e que falam diretamente para a tela. O filme evita o recurso das entrevistas gravadas ou das cabeças falantes a fim de deixar a narrativa mais fluida, ainda que haja muitos personagens, datas e detalhes envolvidos.
O uso do texto original dos Autos é uma escolha curiosa e corajosa, acertada na medida em que aproxima o espectador dos acontecimentos de modo mais concreto. Interessante pensar o quanto o texto original é, por si só, muito narrativo na maneira de esmiuçar a trama – são mais de duas mil páginas escritas sobre os eventos entre agosto de 1798 e março de 1799.
Por outro lado, a maior dificuldade do filme é na maneira de preencher essas falas e narrações com imagens. Usam-se arquivos, ilustrações, as próprias imagens dos papéis dos Autos, composições de cena realizadas pelo filme, além das dramatizações dos atores. Mas em outros momentos, é preciso recorrer a imagens meramente ilustrativas e vagas para dar conta daquilo que está sendo dito de modo repetitivo até.
De qualquer forma, 1798 – A Revolta dos Búzios cumpre um papel fundamental de resgatar a História da Bahia com dedicação e atenção, destacando ainda a proposição de que esta Revolta, um tanto diferente de outras que surgiram no Brasil pelo mesmo período, tinha o diferencial de lutar pelo fim da escravidão no Brasil, algo que só foi tornado Lei quase um século depois, em 1888.
Apesar de buscar certo dinamismo narrativo, a força do filme está muito mais na dimensão contextual daquilo que interessa enquanto luz jogada sobre os fatos históricos e sobre as lutas populares do nosso povo.
1798 – A Revolta dos Búzios (Brasil, 2024)
Direção: Antonio Olavo
Roteiro: Antonio Olavo
*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 29/05/2024)