Assassino à brasileira*
No final dos anos 1990, Francisco de Assis Pereira assassinou dez mulheres e enterrou seus corpos no Parque do Estado, na zona sul de São Paulo, além de ter atacado ao menos outras 13 vítimas. O caso ganhou repercussão na mídia à medida que os cadáveres iam sendo encontrados. Começava então uma caçada para descobrir a identidade desse que se tornou um dos serial killers brasileiros mais conhecidos e midiatizados.
Apelidado de “maníaco do parque”, a história de seus crimes é contada no filme de mesmo nome dirigido por Maurício Eça, lançado diretamente na plataforma de streaming da Prime Video. Eça já havia dirigido os longas que retratavam os crimes de Suzane von Richthofen e dos irmãos Cravinhos, assassinos dos pais da moça, seguindo o embalo atual de filmes e séries de crimes verdadeiros, os chamados true crimes.
Para tanto, o diretor e seu roteirista, L. G. Bayão, dividem a narrativa entre os passos de Francisco (interpretado por Silvero Pereira) e da jornalista Elena (Giovanna Grigio), personagem ficcional que trabalha no famoso periódico Notícias Populares. É uma pena que em ambas as tramas paralelas o filme faça escolhas equivocadas na abordagem dos personagens.
Francisco é retratado em múltiplas facetas, mas o filme tem dificuldade de adentrar na paranoia e na mente perturbada do jovem. Trabalhando como um exemplar motoboy, devidamente valorizado pelo chefe como um eficiente funcionário, ele gosta de praticar skate no Parque do Ibirapuera. Não levanta suspeitas de ninguém ao abordar mulheres na rua e levá-las para o parque com o pretexto de fazer fotos para uma campanha publicitária.
Fala-se no filme desse possível carisma de Francisco no trato com as mulheres, mas isso nunca de fato é explorado na trama, como se as vítimas fossem atraídas de modo muito casual por ele. A trama escolhe também não tentar investigar seu passado, os possíveis traumas, obsessões e psicopatias que ele desenvolveu e expliquem, de alguma forma, seu impulso assassino.
Talvez a opção seja a de se afastar de uma possível humanização do criminoso. Mas a narrativa ganharia muito jogando mais complexidades sobre ele, sem querer inocentá-lo, apenas entendendo-o na sua crueldade. O filme não poupa o espectador de cenas de violência gráfica quando precisa mostrar como ele atacava as mulheres, facilmente visto aqui como um monstro carniceiro e nada mais.
Jornalista justiceira
No outro lado da moeda, o filme introduz uma personagem feminina a fim de desenvolver um ponto de vista mais próximo das vítimas. Elena é a típica “foca” (jargão utilizado para se referir a jornalistas novatos que começam a trabalhar em uma redação). Idealista, ela luta para impor seu ponto de vista nas matérias que faz, mas enfrenta a resistência do chefe de redação (Marcos Pigossi) e dos colegas de trabalho, especialmente do intransigente e brucutu Brandão (Bruno Garcia).
O famoso jornal Notícias Populares, de fato, acompanhou o caso de perto à época – de forma sensacionalista, é claro, como boa parte da mídia brasileira. Elena representa, nesse meio predominantemente masculino, uma espécie de bússola moral feminina que não deixa o filme sucumbir a uma visão ostensivamente misógina sobre os fatos, mas também assume uma postura exageradamente combativa contra todos (notadamente, a sociedade impregnada de machismos).
É uma posição que o filme faz questão de frisar ao dividir o protagonismo da história, e isso responde muito mais às demandas identitárias dos dias atuais do que na época em que os crimes foram cometidos. É uma postura válida, mas o maior problema dessa escolha é transformar a personagem em uma espécie de jornalista justiceira em busca não apenas da informação, mas da resolução do crime e captura do matador. O clímax do filme é exemplar nesse sentido, quando um possível embate direto entre Elena e o criminoso
O conflito que Elena empreende com os demais colegas de redação não faz muito sentido porque ela passa a rivalizar com Brandão em busca das informações, quando eles trabalham para o mesmo veículo. O filme claramente se coloca do lado dela enquanto os demais não passam de figuras chauvinistas, o que reforça o maniqueísmo mais previsível. A trama do filme esquece-se também das vítimas que servem apenas como meros exemplos dos ataques praticados.
O filme resolve ainda criar uma subtrama para Elena que envolve um conflito mal resolvido com seu pai, falecido há pouco tempo, e discutido com sua irmã (Mel Lisboa), uma psicóloga que, de quebra, ajuda a jornalista a entender melhor a mente de um assassino em série, como manda a cartilha do cinema policial norte-americano.
Na tentativa de lançar um olhar atual sobre o caso, Maníaco do Parque perde de vista as complexidades que envolvem o tratamento dos personagens, sejam eles reais ou ficcionais. Nem mesmo o talento do ótimo Silvero Pereira foi suficiente para conferir maior densidade ao personagem já que o roteiro não ajuda muito.
Não deve ser à toa que o Prime Video prepara para o próximo dia 1 de novembro o lançamento do documentário Maníaco do Parque: A História Não Contada, escrita e dirigida por Thaís Nunes, certamente para aprofundar o que o longa ficcional nem chegou perto de oferecer.
Maníaco do Parque (Brasil, 2024)
Direção: Maurício Eça
Roteiro: L. G. Bayão
*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 20/10/2024)