Antes que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star / Entrevista com Edy Star

O brilho da estrela*

Numa das primeiras cenas de Antes que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star, o debochado artista baiano dispara contra o próprio diretor do filme: “Não gosto desse título, acho comprido, pretensioso. Que me esqueçam, por favor. Depois que eu morrer, se vão se lembrar de mim ou não, eu não estou nem aí”. Assim, com atitude contestadora e irreverente, Edy Star se revela como o espírito livre que sempre foi e imprimiu na sua trajetória artística.

“A vida é como uma vela acesa. Morreu, apagou”, complementou o artista. Apesar dos desejos de esquecimento pós-morte, vai ser muito difícil apagar o brilho de uma figura tão ofuscante quanto ele. O documentário dirigido por Fernando Morais estreia amanhã no Brasil e destaca a trajetória e o pensamento deste que é reconhecido como um dos primeiros artistas do Glam rock no Brasil.

Nascido em Juazeiro, mudou-se com a família para Salvador quando tinha dois anos de idade. Viveu a juventude e se formou na capital baiana, onde participou do programa A Hora da Criança, da Rádio Sociedade da Bahia. Também viveu um período de quatro anos no Recife para estudar teatro, além de desenvolver trabalhos como desenhista e artista plástico.

Viajou ao Rio de Janeiro para se apresentar, tendo se apaixonado pela cidade. Mas no retorno a Salvador, acabou sedo empregado na antiga TV Itapoan. No entanto, foi na capital carioca onde, de fato, Edy desenvolveu sua carreira na música e se tornou conhecido pelo seu estilo único e contestador, especialmente por desafiar os papeis de gênero entre final dos anos 1960 e início de 1970.

“Na Bahia, eu fiquei trabalhando na TV Itapoan, apesar de ser apaixonado pelo Rio. Eu já cantava em bares, fazia shows de rock. Fui pro Rio de Janeiro por causa de Raul Seixas”, revelou o artista em entrevista bem-humorada exclusiva para A Tarde.

“Eu fui demitido da TV porque eu cobrei meu salário no ar. Eu estava a quatro meses sem receber. E naquele dia o supervisor geral estava presente. Ele me tirou do programa e me botou para fora. Daí eu peguei um ônibus para o centro da cidade, na Praça da Sé, e encontrei com Raul Seixas que estava justamente me procurando para me levar para o Rio de Janeiro para trabalhar com ele”, revelou, em feliz coincidência.

Essa e outras histórias saborosas são contadas no filme, roteirizado pela jornalista baiana Carollini Assis. Vemos o artista retornar a Salvador e revisitar pessoas, lugares e momentos que viveu nos seus anos de formação. Ao mesmo tempo, o filme intercala com os bastidores da gravação de um disco Edy produzido por Zeca Baleiro em 2017, álbum que o próprio Edy considera o seu melhor trabalho musical.

Glam tupiniquim

Já no Rio de Janeiro, apadrinhado por Raul Seixas, eles vão gravar o icônico disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, ao lado ainda de Sérgio Sampaio e Miriam Batucada. A partir daí, a carreira de Edy ganha outro rumo. Vai gravar seu disco solo, Sweety Edy (1973), com composições de grandes nomes da música, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto e Erasmo Carlos, Moraes Moreira, Jorge Mautner.

Mas torna-se principalmente conhecido pelas apresentações em bares, cabarés e boates do Rio, especialmente os que ficavam na Praça Mauá, onde desenvolve um estilo único e contestador, sendo reconhecido como um artista glam.

“Na mesma época, já havia o Ney Matogrosso no Secos & Molhados e também o Dzi Croquettes. Então eu era parte de um movimento que a gente sentia no ar, de ser diferente. Existia uma elite, os filhinhos de papai que também eram assim, mas nós éramos uma coisa mais atrevida, mais jogada, mais pobre”, definiu o artista.

Ele revelou que toda sua turma também se influenciava pelas grandes estrelas do glam internacional, como Lou Reed e David Bowie, um pouco depois por Boy George, que eles acessavam pela imprensa, como a revista Rolling Stones – só depois viriam a vê-los melhor com a popularização do vídeo.

Todo esse caldo cultural influenciava ainda a afirmação sexual. “Havia um atrevimento também para romper aquela coisa proibida de ser gay, de poder afirmar isso. Naquela época, quem falasse isso corria o risco de apanhar da polícia, da população; as pessoas gritavam contra a gente na rua. Mas mesmo assim, nós nos assumíamos nas roupas, nas apresentações, na nossa arte. Como se dizia em O Pasquim, éramos o ‘glam tupiniquim’”, pontuou o artista.

E tudo isso em pleno regime ditatorial. “Havia muitas lutas em jogo. A luta contra a cesura, a luta pela anistia, total e irrestrita, a luta contra a própria Ditadura e a luta contra a homofobia. Isso nos atingia duplamente. Estávamos numa luta com o povo contra o regime, mas havia uma outra batalha também ideológica”, afirmou.

Apesar da opressão, Edy combateu as forças inimigas com sua arte e lembrou que sempre foi parado pela polícia nas ruas. No início dos anos 1990, mesmo com o fim da Ditadura, quando não se sentia mais seguro no Brasil, passou um longa carreira na Espanha, onde continuou performando e se trabalhando.

Só voltou ao Brasil nos anos 2010. “Quando eu retornei, o país já era outro. Eu adoro Salvador, toda minha família está aí. Recife é ótima. O Rio já não é mais o mesmo. Mas eu vi que São Paulo, uma cidade que sempre me atraiu, era o lugar que estava realmente à frente em termos de trabalho”. E por lá Edy tem ficado.

Ele segue se apresentando e gravando discos. Prepara também o lançamento de um livro biográfico, intitulado Eu Só Fiz Viver – A História Oral Desavergonhada de Edy Star. “Eu tenho 86 anos, estou no bonustrack. Continuo vivo, andando, dançando, subindo aos palcos e fazendo meus shows. E como diria Lampião: ‘chegando, amando e querendo bem’”.

Antes que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star (Brasil, 2019)
Direção: Fernando Moraes
Roteiro: Carollini Assis

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 27/11/2024)

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