No seu filme anterior, Canção ao Longe, a cineasta Clarissa Campolina já havia trabalhado com a ideia de investigação sobre a identidade a partir de uma personagem feminina que tenta entender suas origens familiares e raciais. Agora, junto ao diretor Sérgio Borges, criam mais uma trama de busca, dessa vez em forma de road movie. Suçuarana é o novo filme da dupla de diretores que faziam parte do antigo coletivo Teia, em Minas Gerais, mas nunca haviam dividido a direção de um filme antes.
O filme abriu a Mostra Competitiva de longas do 57º Festival de Brasília e acompanha Dora (Sinara Teles), uma espécie de desgarrada que percorre o interior mineiro à procura de emprego e pouso. Mais que isso, ela sonha em encontrar uma pequeno terreno que pertenceu à sua mãe, portanto sua terra de origem e direito.
Ela possui uma fotografia da matriarca neste lugar, e a legenda atrás da foto o nomeia como Vale de Sussuarana, embora ela mesma não saiba exatamente onde fica e em que situação se encontra no momento. Aparentemente é só esse vestígio de informação que ela possui, o que torna sua busca quase idílica por um lugar que ela imagina como lar. E talvez mais do que um espaço físico, o que ela busca de fato seja um sentimento de pertencimento diante da vida andarilha que ela leva, quase como uma espécie de retorno ao útero materno – conforto e acolhimento.
Quando o filme começa, Dora vive num casebre de beira de estrada e trabalha entregando botijão de gás nas redondezas, mas ela já se prepara para deixar o lugar e pegar a estrada. Muito mais adiante no filme, quando alguém lhe pergunta há quanto tempo ela está na estrada, ela responde que “há mais de dez anos”. Ou seja, aquilo que vimos no início é, na verdade, a metade do caminho. O que o filme faz é nos inserir nessa trajetória continuada que a conta-gotas revela os anseios que cercam essa personagem misteriosa. A paisagem bucólica do interior de Minas Gerais, mais a construção sonora desses ambientes abertos e amplos, dimensionam a solidão errante de Dora.
Suçuarana se faz de pequenos gestos e detalhes que o filme nos entrega e aos quais a própria personagem se apega para seguir partindo. Nesse processo, os encontros que ela estabelece com outras pessoas no caminho, em muitos casos a partir de pequenos trabalhos, são o elo possível de se estabelecer nessa vida nômade, a exemplo do caminhoneiro interpretado por Carlos Francisco ou mesmo uma comunidade que pratica a congada (representado no filme pela Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário).
Nesses casos, Dora até pode experimentar certo sentimento de pertencer a uma comunidade a partir desses laços de companheirismo, apesar de rápidos, mas seu instinto nômade parece falar mais alto. Da mesma forma que isso se dá de modo um tanto fugidio para ela, também para o espectador certa sensação de desgarramento pode dar as caras, não no sentido de nos afastarmos dos personagens secundários, que são ótimos em si, mas justo pelo contrário, pelo desejo de querermos vermos tais laços se fortalecendo ainda mais.
Vai ficando cada vez mais claro no percurso da personagem que o seu caminhar é o que de fato a move, assim como guia o próprio filme, que mais lança questões do que está disposto a responder. É o tipo de investigação narrativa já presente nos trabalhos de ambos os diretores e que aqui se solidifica com mais coesão entre os elementos todos de cena.
Suçuarana (Brasil, 2024)
Direção: Clarissa Campolina e Sérgio Borges
Roteiro: Clarissa Campolina e Rodrigo Oliveira