Festival de Brasília: Pacto da Viola

As questões relacionadas à busca de uma identidade familiar e um se encontrar no mundo continuam dando a tônica dos longas da mostra competitiva do Festival de Brasília. O representante do Distrito Federal – apesar de filmado no norte de Minas Gerais –, Pacto de Viola, resgata um arquétipo já muito explorados nas narrativas ficcionais que é o do filho pródigo que retorna ao antigo lar, acrescido aqui das dinâmicas relacionadas ao pacto fáustico, pegando caronas nas crendices populares do interior do Brasil.

O cineasta e roteirista Guilherme Bacalhao adentra o imaginário interiorano não só por fazer do protagonista, Alex (Wellington Abreu), um cantador de viola que tenta emplacar uma carreira musical no universo das modinhas mais tradicionais do sertanejo, mas por contrapô-lo ao pai (Sérgio Vianna) que é um cantador, capitão do Terno de Folia de Reis de sua comunidade, manifestação popular muito comum em diversas cidades do Brasil profundo e rural. É esse pai que fica muito adoentado na pequena cidade de Urucuia e apressa o retorno do filho para sua região natal.

Curioso pensar que não se trata aqui de um embate entre tradição e modernidade – o tipo de música que Alex pratica representa certa tentativa de manter viva uma forma raiz de tocar a viola, tendo ele inclusive gravado um CD para divulgar seu trabalho, nada mais anacrônico nos dias atuais. Mas ao retornar ao antigo lar de sua juventude, Alex é impelido a seguir a tradição interiorana e se manter naquele lugar, talvez assumindo o posto do pai como tocador na folia.

Para isso ele teria que deixar de lado uma carreira musical incipiente, mas amparada em seus próprias vontades, para voltar a se reestabelecer em um estilo de vida interiorano que não lhe é totalmente estranho ou a que ele seja completamente avesso. Mas é como se precisasse abdicar de uma trajetória forjada por si mesmo para assumir algo de uma tradição que lhe é herdado, quase imposto.

A isso, o filme acrescenta um outro elemento que pertence ao universo das crenças religiosas. Não só é oferecido ao protagonista a oportunidade de invocar certa relação com forças diabólicas a fim de obter sucesso na carreira, como iremos descobrir mais tarde que esse tipo de conexão oculta está bem mais presente no seio familiar do que se espera.

A partir de certo ponto, Pacto de Viola investe numa atmosfera anticlimática entre o assombroso e a árida realidade sertaneja – os desmandos de poderosos representados por uma fazenda privada ali perto modifica a paisagem e as relações naquele lugar. Mas faz isso menos como exploração do horror enquanto gênero abrangente na trama, lidando com as possibilidades e tentações sobrenaturais como uma forma de discutir dramas pessoais sobre pertencimento e legado.

É fácil perceber que naquela comunidade, como em diversos lugares do Brasil, o mundo terreno e o invisível estão muito mais irmanados, compondo uma mesma experiência de vida. No entanto, o filme parece ainda tatear em busca de um tom ideal, por vezes carregando demais no suspense, sem que isso seja de fato o grande motor da trama (ou é apenas redundante na sua exploração de uma força misteriosa a pairar sobre os personagens), outras tantas querendo dar conta das dimensões sociais e da responsabilidade pessoal que recai sobre Alex. E nem sempre essas duas coisas conformam um equilíbrio coeso.

Apesar do apuro de realização e de uma condução coesa, e por ser o primeiro longa ficcional dirigido por Bacalhao, Pacto de Viola também sofre de um problema de ritmo, muito por insistir em uma cadência lenta e arrastada. Soa mais como tentativa de se filiar a certo cinema contemplativo e/ou alternativo do que algo que acompanha com fluidez os ditames de uma narrativa que trabalha com tantos elementos entre o mundo visível e o invisível.

Pacto da Viola (Brasil, 2024)
Direção: Guilherme Bacalhao
Roteiro: Roberto Robalinho, Guilherme Bacalhao e Aurélio Aragão

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