O discurso poético de Braxília se justifica justamente por retratar um pouco do trabalho do poeta brasileiro Nicolas Behr. Assim, o próprio biografado aparece no curta-metragem não só falando de sua escrita, possuidora de uma relação direta com a cidade de Brasília, mas também interagindo com o próprio ambiente urbano de quem parece ser bastante íntimo. A grafia da capital federal ganhou um “x” por um erro do poeta quando escrevia num dia qualquer, quando ele percebeu ali uma forma de enxergar uma outra cidade. Em suas palavras, “Braxília é minha Pasárgada”.
E por mais que exista toda essa liberdade estética, o curta toma o cuidado de nunca soar pedante demais, até porque a própria figura do poeta em cena é livre de qualquer autoridade literária. Além disso, o teor do trabalho de Behr mostra uma influência clara da poesia concreta, bastante pertinente a uma cidade traçada com tanto rigor arquitetônico. Uma bela homenagem à cidade, ao poeta, à arte.
Julie, Agosto, Setembro (GO/BR, 2010)
Dir: Jarleo Barbosa
Com uma singeleza extrema, Julie, Agosto, Setembro conta uma historinha que poderia ser das mais bobinhas, caso não tivesse um texto e um tratamento estético tão cuidadoso. O curta se apresenta quase como uma fábula de vivência, sem o teor fantasioso, em que uma estrangeira, a belga Julie, chega a Goiânia e precisa se familiarizar com a cidade. Nada sabemos de como ela veio parar no Brasil, mas o filme está mais interessado em captar a voz off dessa jovem em suas tentativas de adaptação, principalmente nas relações que desenvolve com alguns namorados.
Assim como em Braxília, existe uma relação muito forte de seus personagens (ficcionais ou não) com a cidade ao redor. Julie, Agosto, Setembro começa mostrando uma Goiânia desfocada, e vai ganhando contornos nítidos a partir da familiaridade que a própria protagonista vai conquistando no curto período de sua estadia. O texto, ligeiro e cheio de boas sacadas, sustenta grande parte do filme, que pouco tem de interação entre os atores em cena, além de uma montagem esperta e certeira. Dessa vez, a homenagem é ao nosso poder de adaptação.
Riscado (RJ/BR, 2010)
Dir: Gustavo Pizzi
Diferente de muitos trabalhos nacionais recentes que adoram experimentar com a forma (e a mescla entre documentário e ficção tem se tornado um tanto cansativo nesse sentido), Riscado, como produção independente, acerta muitíssimo bem ao injetar naturalismo num filme cuja maior força é a história que quer contar, focado numa personagem a quem nos identificamos de cara e por quem passamos a torcer, sem que o filme precise abusar de artifícios estéticos para isso.
Bianca (Karine Teles, esposa do diretor) é uma atriz de pequenos trabalhos. Faz desde animação de festas de aniversário vestida de Marilyn Monroe, Betty Page e Carmen Miranda, até entrega de panfletos nas ruas, fantasiada, além de atuar numa peça de teatro. Mas sua grande oportunidade aparece quando ela é convidada a protagonizar um filme, coprodução entre Brasil e França.
De uma simplicidade incrível, sem os cacoetes do cinema alternativo, Riscado acompanha a luta de uma atriz em se firmar no mundo como tal. Seu maior desafio é ser reconhecida pelos outros dessa forma, e com a dignidade de uma profissional. Mas além das oportunidades que surgem ou lhe escapam das mãos, um outro obstáculo de Bianca são as pessoas que não conseguem enxergar ali seu verdadeiro ganha pão (e uma cena com a locatária de seu apartamento é bastante sintomática nesse sentido).
Interessante notar que Bianca, ao ser escolhida como a protagonista, trará muito de sua vida para a história do filme a ser rodado. E não deve ser difícil perceber o quanto da experiência da própria Karine Teles deve constar em Riscado. E esse efeito só é reforçado pela atuação super espontânea da atriz Karine Teles, que cria uma empatia direta do público com aquela mulher e sua luta diária.
O diretor sabe brincar, sabiamente, com o formato dos quadros do filme. Por vezes ele apresenta cenas em 16 mm ou em super 8 (perceptível pelo aspecto quadrado da projeção), o que confere uma atmosfera bastante intimista para essas situações. Se inicialmente elas parecem fazer parte de um acervo de imagens que a própria protagonista faz de si mesma (em determinado momento ela chega a dar esse material ao diretor do filme em que vai atuar), elas ganham outra significação quando parecem revelar a intimidade da personagem em seus anseios e desejos mais particulares, como fica evidente quando Bianca se prepara para dar uma entrevista.
De qualquer forma, são passagens que só reforçam o olhar singelo sobre essa mulher tentando sobreviver com o seu trabalho, digno, com aquilo que sabe fazer. Riscado é um filme que faz dessa motivação sua maior arma, mesmo que a luta ainda pareça ser bem mais dura de vencer.