Árvore da Vida (The Tree of Life, EUA, 2011)
É certo que A Árvore da Vida se constitui como obra das mais abertas e passíveis de novas descobertas a cada revisão. Terrece Malick faz aqui seu filme mais ambicioso e mesmo que dialogue com seus outros trabalhos no sentido de aproximar o homem da natureza, essa relação é aqui intensificada pelo peso que a própria Criação (divina e/ou biológica) possui sobre a vida das pessoas. Não é uma obra fácil, mas constiui um prazer imenso acompanhar os movimentos dae uma narrativa que questiona a todo tempo a existência humana. Os resultados são dos mais belos e emocionalmente devastadores.
O filme começa, na década de 50, com o casal O’Brien (Brad Pitt e Jessica Chastain) recebendo a notícia da morte do filho mais novo, então com 19 anos. A narrativa vai retornar no tempo, perpassar toda a formação da Terra, e se deter na criação dos três filhos do casal, em que a educação rígida do pai encontra contraponto no carinho que a mãe esbanja com os garotos. Além disso, o filme mostra como um deles, Jack (Hunter McCracken, em criança) se tornou um adulto claramente amargurado (vivido dessa vez por Sean Penn).
Esse retorno ao início dos tempos, com a apresentação de todas as imagens de criação que tomarão grande espaço no longa, em que muita gente só enxerga pretensão do cineasta (como se ele quisesse brincar de Deus), parecem bastante pertinentes ao se pensar nos próprios questionamentos que o filme coloca: de onde viemos? O que nos forma como seres humanos? Por que somos tão frágeis diante da grandiosidade do Universo?
Se a mãe questiona um suposto poder divino, como se apontasse o dedo para cima e dissesse: “Onde estavas quando isso aconteceu? Permitiu que meu filho morresse?” (não exatamente com essas palavras), a resposta parece estar lá no Livro de Jó, em citação que abre o filme lançando outra questão: “Onde estavas tu quando lancei os fundamentos da Terra […], e os filhos de Deus se alegravam?”.
Pois uma das grandes questões que o filme parece suscitar é a de vida como dádiva, porque a função criadora (de Deus ou não) já foi cumprida. Daí, a importância das imagens da criação e formação do seres. Depois disso, resta que aqueles ao nosso redor, como qualquer outra circunstância, interfiram na nossa existência. E aí entra o fator educação. Nesse sentido, Jack vive o grande dilema do filme, pois é ele quem está cercado por uma dualidade representada por seus pais.
Mas esse pai, facilmente desenhado como perverso, ganha camadas muito mais complexas do que um simples maniqueísmo a ele imposto. Ele não deixa de ser carinhoso com os filhos, mas a seu modo, sempre fechado e pronto a agir com dureza quando acha pertinente. Da mesma forma, a mãe e seu excesso de carinho causará certa incompreensão de Jack porque ele a vê como passiva demais em aceitar a vida com aquele homem. “Vocês estão sempre lutando dentro de mim”, diz o garoto, na síntese perfeita desse embate interior que o marca profundamente.
Quando a narrativa alcança Jack já adulto, percebemos o quanto de sua dureza é fruto dessa relação. Ao mesmo tempo, encontramos esse personagem, infeliz, quase que esmagado pelos prédios e construções da era moderna (que esmaga o próprio homem contemporâneo também).
Malick, que assina roteiro e direção, constrói uma narrativa engenhosa, com sua habitual fragmentação temporal, acompanhada de uma mise-en-scène livre. Os atores surgem soltos em cena, sem marcação aparente, enquanto são captados pela câmera sutil do cineasta, fotografados lindamente para acentuar a simbiose homem-natureza. Existe também uma simplicidade absurda na forma como nos deixa íntimos daquela família através de momentos cotidianos que nos dizem muito sobre cada um dos personagens.
Muita gente tem acusado o filme de vender sua beleza extrema a troco de um vazio narrativo. Mas a beleza das imagens parece estar mais a serviço de uma história que desvenda a relação do homem com o espaço ao redor (e o ser humano também é Natureza). Ganhando reconhecimento no Festival de Cannes de onde saiu com o prêmio máximo, Árvore da Vida é uma grande experiência estético-emocional, não só pela beleza formal da jornada de seus personagens, mas porque não se esgota com facilidade.
PS: Esse texto foi originalmente publicado no site Coisa de Cinema, para o qual eu passo a colaborar. Espero vocês por lá também.
Também não vejo como pretensioso o que Malick mostra aqui. Com certeza, é seu trabalho mais ambicioso, mas não foge a uma relação comum de sua filmografia, do homem/natureza, só que aqui mais ampliada. As comparações com 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO são muito pertinentes, e não duvido que, num futuro, siga o mesmo caminho e torne-se um clássico sobre a humanidade.
eu julguei pela capa e n fui ver… =/
O melhor do filme do ano até o momento. Sensacional.
O Falcão Maltês
Mateus, na mesma medida em que me parece mesmo um filme sobre a humanidade, revela também aspectos particulares de como uma pessoa se forma, se constitui como ser humano, como se constrói sua personalidade. É mesmo grandioso e espero que seja reconhecido com o tempo. Tem dividido opiniões, o que também é interessante, mas não consigo deixar de pensar como um dos melhores do ano. E, desde já, da década!
Elizio, azar o seu, meu amigo. Mas ainda há tempo para se redimir. Embora, no cinema, a experiência é mais avassaladora. Isso é pra você aprender a se arriscar mais!
Antonio, ainda estou num conflito interno pessoal, entre escolher esse ou Cópia Fiel como melhor do ano. Deixa decantar um pouco mais e eu resolvo. Mas de fato já é de se louvar tamanha grandeza.
Nada como o tempo para revelar nossos verdadeiros sentimentos sobre uma obra. Aguardo esse filme chegar às locadoras na maior ansiedade. Está demorando…
Rpz, a beleza de alguns momentos é inegável, mas a coisa não bateu. Quero revê-lo mais porque situação em que vi não foi a ideal do que por o filme ter me despertado essa vontade. Espero achar algo além de um protetor de tela recheado.
De fato, Stella, ainda mais num filme desses que exige uma certa entrega do espectador. É preciso abrir a mente para se deixar levar não só pela beleza das imagens (o filme é mais do que isso) e buscar suas próprias interpretações sobre o filme. Para mim, ele é muito coerente em sua proposta temática. E quando você descobre isso, o longa se torna bem mais gratificante.
Leandro, também quando vi pela primeira vez não foi das mais ideais. Estava cansado no dia, e o filme exige um tantinho da gente. Mas ali eu já gostei muito, depois de revisto gostei mais ainda. Para além da beleza das imagens, existe todo um discurso que para mim parece se fechar muito bem, principalmente na grande questão que o filme parece nos fazer: o que nos forma enquanto pessoa, enquanto seres humanos? Qual a "natureza" disso? O filme só tem a ganhar (e nós também) quando se para para pensar nesse ponto. Muito provável o melhor filme do ano.