Amor? (Idem, Brasil, 2010)
Dir: João Jardim
O diretor João Jardim nos apresenta oito histórias narradas em primeira pessoa, num formato de documentário em que os atores dão depoimentos para um entrevistador em cena (na maioria das vezes, o próprio Jardim), direto para a câmera. O projeto pode ser visto como um filhote bem-vindo da experiência de Eduardo Coutinho em sua (nova) obra-prima Jogo de Cena, trazendo para a discussão um tema de caráter social, mas sem o ranço do denuncismo. Mais interessa ao filme o fator humano ali envolvido.
Se existe algum escorregão no filme é que nem todas as histórias possuem o mesmo tom de relevância, elas têm algo de repetitivo. Algumas ficam devendo um pouco às demais, mas nada que faça quebrar o ritmo da narrativa. Em seu conjunto, elas apontam para questões muito relevantes nesses casos de agressão, como a vulnerabilidade das mulheres, que acabam sendo as maiores vítimas, o fator quase patológico (e histórico) dos agressores, o ciúme doentio, a proximidade com as drogas, o medo em denunciar. Mas o melhor é que tudo isso surge no filme sem o menor traço de julgamento, com total respeito por aqueles personagens.
Além disso, o filme intercala algumas cenas de intimidade entre os personagens, todas na cama, que nos fazem pensar em como a violência, nesses casos e paradoxalmente, só parece possível por causa da intimidade, depois que as relações se estreitam, depois de já estabelecida uma confiança mútua entre si. E isso talvez seja o mais assustador.
Em outra licença poética, o filme intercala a cena de uma das personagens que mergulha numa piscina e permanece debaixo d’água até o limite da falta de ar. Parece uma cena chave para um filme que revela com tanta humanidade o quanto o ser humano é capaz de suportar a dor e de tolerar o sofrimento.
De um elenco formidável, há de se dizer que todos eles fogem de um tom teatral e exagerado, compondo seus personagens sem recorrer a afetações; assim, a emoção que brota soa sempre verdadeira, o que valoriza demais a qualidade do trabalho de todos. Se eles quase nunca dividem uma cena, é incrível perceber uma uniformidade sutil no trabalho do elenco. Mas se é para citar nomes, pode-se destacar um Ângelo Antônio beirando a insanidade, ou Lília Cabral sóbria como poucas vezes tem-se a oportunidade de vê-la.
Além disso, ao valorizar cada uma das histórias contadas, os depoimentos são filmados com o mínimo de recursos cênicos. A maioria dos atores aparece contra a parede, ou com fundo desfocado, alguns sentados. Nada parece atrapalhar ou desviar a atenção para as histórias, fora algumas imagens intercaladas de situações cotidianas dos personagens, o que equilibra muito bem o trabalho de montagem do filme.
Ao mesmo tempo, toda essa concepção “limpa” das imagens se revela um tanto enganadora, pois sua placidez esconde os atos perversos que estão sendo contados. Acaba sendo uma tradução visual muito apropriada para o tema porque representa bem o contraponto desse tipo de violência que se esconde nos lares mais improváveis e de aparente tranquilidade que estão tão próximos de nós.
Grato pela dica, Rafael.
Fiquei interessado.
Abraço bom,
O Falcão Maltês
Não me apeteceu a proposta narrativa do filme, apesar de tuas sóbrias e boas análises…
E tem Cinema, finalmente, nos Morcegos: tua última chance! Abração!
Antonio e Dilberto, a proposta do filme é das mais interessantes, principalmente para quem se interessa pelas possibilidades da encenação dos atores, além do valor dramático das histórias, é claro!