Em apatia

Um Lugar Qualquer (Somewhere, EUA, 2010)
Dir: Sofia Coppola

Sofia Coppola fez de novo. Mais um daqueles filmes naturalistas que encontram seus personagens presos na bolha de vazio que tomou suas vidas. É dessas situações que ela tira o substrato de seu cinema. Em Um Lugar Qualquer, Leão de Ouro no último Festival de Veneza, ela reprocessa o mesmo tom narrativo da sua quase obra-prima Encontros e Desencontros, através de uma história simples, intimista e marcada pela apatia de seu protagonista.
Sofia captura os personagens nesse momento de suas vidas em que tudo mais ao redor parece progredir em grande velocidade enquanto eles permanecem parados no tempo, estáticos, perdidos. Assim é Johnny Marco (Stephen Dorff), paradoxalmente, um ator de filmes de ação. Nesse sentido, a cena inicial é bastante representativa pois vemos um plano fixo de uma estrada onde Johnny dá voltas contínuas em alta velocidade em seu carro; depois para em primeiro plano, sai do veículo e permanece parado. Sua vida não parece ter emoção nenhuma.

Enquanto permanece hospedado num luxuoso hotel, em meio a festas, bebidas, mordomias e belas mulheres a seus pés, recebe inesperadamente a visita da filha Cleo (Elle Fanning), que mora com a mãe, divorciada dele. Um Lugar Qualquer acompanha os movimentos dos personagens que preenchem suas vidas indo de lá pra cá, fazendo coisas pequenas, em certo ponto agradáveis, mas nunca saem do lugar.

O olhar minimalista de Sofia dota o filme de um ritmo lento e sem percalços (como a própria rotina do personagem), mas sempre interessado por eles. Por mais apática que possa ser a rotina de Johnny, a realizadora sempre observa tudo com uma visão muito carinhosa, sem julgamentos. Uma trilha sonora pontual aparece aqui e ali, sempre no momento certo, sem estridência. A fotografia de Harris Savides, que parece um especialista em luz diurna, bem bonita, parece chamar atenção para o dia inaproveitado.

De uma forma diferente, a vida de Cleo ainda parece ter seu frescor pela jovialidade latente, muito embora, no fundo e revelada por um momento final de desabafo da garota, há uma mostra do quanto ela sofre pelo distanciamento dos pais. É quase como uma herança da vida sem perspectivas do pai.

Além disso, Sofia faz questão de apresentar o mundo das celebridades com toda sua fogueira de vaidades. Quando Johnny é homenageado na TV italiana, fica evidente o fator fútil com que os astros são tratados, a despeito do visível desconforto de Johnny perante as câmeras e, posteriormente, durante uma entrevista coletiva em que as perguntas feitas são muito vazias.

Mas chama atenção a última pergunta: “quem é Johnny Marco?”, questão essa que o próprio personagem não sabe (ou não consegue) responder e que nos diz muito sobre o momento de inexatidão e insegurança por que passa.

Lembro que no discurso do Oscar quando Sofia recebeu a estatueta pelo roteiro de Encontros e Desencontros, ela citou Michelangelo Antonioni como uma de suas referências. E Antonioni parece ser o que mais de evidencia no universo de ambos os filmes, pois os silêncios, tão preciosos para o mestre italiano, falam muito dos personagens de Sofia. Eles guardam a dificuldade de se expor, de promover mudanças. Sensação essa que faz com as pessoas percebam que pertencem a algum lugar, mas não àquele em que se encontra. Um lugar que precisa ser descoberto.

8 thoughts on “Em apatia

  1. Bravo! Gostei muito de "Encontros e Desencontros", mas nunca o vi com todo o endeusamento que normalmente dão para a Sofia (acho que só vi este dela) – tal como endeusam muito a obra do Antonioni e eu gostei mesmo de "A Noite" e de "Blow-up"! Mas a boa forma de conduizr teu texto sobre o filme me alimentaram o desejo de apreciar com mais calma a obra da filhota do Gênio de "Godfather"!

    Quer dizer que o amigo foi, mas não comentou?! Ré, ré! Por isso que pensei que não tivesses ido… Lá rolam "Artes em Geral" – assim, Política, Futebol e certas atualidades viram arte sob certos pontos de vista… Mas haverá Cinema na próxima semana (11/04), numa postagem inspirada na tua listinha do último 'post':tentarei elencar os últimos que vi! Abração!

  2. Dilberto, Antonioni é rei. Sofia Coppola é das melhores aprendizes. Acho o cinema dela cheio de personalidade e força narrativa. De fato, os filmes dela são para serem apreciados com tranquilidade, e ela dá tempo pra que o espectador se familiarize com o material que ela filma, até porque tem coração. E fico feliz por meu post ter te inspirado. Olha que eu cobro, viu!

    Stella, não confia naquele ranking do IMDB porque é uma média entre muitas pessoas, e sempre tem alguém que não gosta do filme. Mas se você curte o cinema contemplativo e verdadeiro da Coppola, vai gostar de seu último filme.

    Wallace, chego a gostar mais de As Virgens Suicidads do que de Maria Antonieta que é até um bom filme em sua proposta anárquica, mas acho que se perde um tanto da metade em diante.

    Antonio, difícil você, hein! rsrsr Também gosto de As Virgens Suicidas, mas Encontros e Desencontros é fabuloso, meu preferido. E por que não se afeiçoou com este último? Acho as duas obras parecidíssimos em conceito.

    João, Sofia Coppola é imperdível, e este último filme dela possui o mesmo conceito dos demais. Não dá pra não gostar se já existe uma paixão prévia. rsrs

  3. Rafael, costumo desconfiar dos rankings do imdb e dos críticos "oficiais". Já gostei (e coloquei no by star) filme que recebeu média 2,4 dos usuários do site.

    Afino mais com a opinião de meus amigos blogueiros. Quando elogiam, já sei que o filme tem qualidades. Como sou menos exigente, nem sempre a recíproca é verdadeira. 🙂

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