Dir: Arnaldo Jabor
Por mais que tenha lá seus defeitos, A Suprema Felicidade parece ser peça rara no cinema brasileiro. Filme vigoroso que não teme ser over, obsceno, carnavalesco, alegre. Arnaldo Jabor, depois de 24 anos de jejum cinematográfico, resolveu contar uma história que apela para a memória, numa grande ode ao recordar e ao que isso tem de construção, de encenação.
Nesse sentido, no início do filme, a impressão é de que estamos diante de um projeto um tanto egocêntrico, a partir do momento em que determinados personagens e situações se apresentarem somente por puro capricho do realizador – o que parece forçar determinados momentos, como a história que o padre cota na sala de aula, a apresentação do grupo de anões. Talvez o algo de autobiográfico que o filme possui seja um outro empecilho.
Mas esse tom do filme parece dever muito a seu autor, o tipo de projeto que só podia ser dele, seja na carga exagerada de algumas cenas, como quando as pessoas começam a dançar no meio da rua ou a aquela da casa de prostituição à luz do dia em que uma das mulheres é brutalmente ferida, seja na amoralidade sacana presente em toda a narrativa, forma de chacoalhar o conservadorismo da sociedade – influência óbvia de Nelson Rodrigues, o que confere frescor e despudor bastante saudáveis ao filme.
Dessa forma, é possível perdoar o filme por todos os seus excessos a partir do momento em que percebemos que o filme se constrói a partir desses excessos. Se a história é protagonizada por um Paulinho vivido por vários atores com o passar do tempo fílmico (da criança ao adolescente), A Suprema Felicidade é repleto de outros personagens interessantes, tipos excêntricos e marcantes que nem sempre fazem tanta diferença assim na trama.
Mas, se pensarmos no filme como uma colcha de memórias costuradas, esses personagens são, muitas vezes, a grande graça da narrativa, que se misturam com as referências histórias da narrativa. Além disso, o apelo às recordações nostálgicas aproxima bastante o longa de Amarcord, obra-prima de Fellini, ou, numa referência mais próxima de nós, de Eu Me Lembro, do baiano Edgard Navarro, com quem o filme possui muitas semelhanças.
Montado de forma não-linear, como seria próprio do aflorar das lembranças, o filme reconstrói um Rio de Janeiro de meados do século passado com um primor técnico de encher os olhos. Do belíssimo trabalho de figurinos, à excelente fotografia responsável pelo tom de saudosismo, passando por uma direção de arte caprichada, tudo isso traz muito orgulho à filmografia brasileira (para a qual Jabor já tinha contribuído antes com vários de seus trabalhos, de certa forma, anárquicos como Eu Sei que Vou Te Amar, Toda Nudez Será Castigada e Opinião Pública).
Se o elenco mais jovem apresenta um trabalho mediano e outros não encontrem tanto espaço para brilhar – caso de João Miguel – é preciso dar um grande viva a Marco Nanini e todo seu talento contido, mas cheio de vigor, da mesma forma que para Maria Flor, surgindo, surpreendentemente, impressionante como uma ninfomaníaca que parecia pouco importante à narrativa, mas que acrescenta momentos de delírio bem-vindo ao filme. Uma das melhores atuações coadjuvantes do ano, num filme que é uma grande surpresa por sua audácia e vivacidade.
Acho o filme bom, mas inferior a outros trabalhos do Jabor (sou muito fã de Toda Nudez será Castigada e de Eu Sei que vou te Amar, e gosto bastante de Tudo Bem). Acho o filme muito irregular, o tom over é exagerado em alguns momentos, mas funciona em outros. O destaque é mesmo Nanini, espetacular.
Uma pena que o João Miguel não foi tão bem aproveitado…
Não conheço o cinema do Jabor, mas essa aproximação com FELLINI sem dúvida chama a atenção e me deixou com vontade de assistir!!
Abraços.
Wallace, conheço poucas coisas do Jabor, também acho inferior, mas considero um filme bem corajoso, cheio de um frescor over que faz falta ao cinema brasileiro. E o destaque, para mim, é Nanini e Maria Flor, impecáveis.
Bruno, engraçado que quando saiu a notícia de que o Jabor ia voltar a dirigir, e o filme seria um tanto autobiográfico, o próprio cineasta disse que ia fazer o seu "Amarcord". Achei pretensioso na época, mas visto agora o filme, e guardadas as devidas proporções, o tom é bem aquele mesmo, de fazer uma ode à memória, sem pudorismos, como seria próprio dele.