Curtinhas

Procurando Elly (Darbareye Elly, Irã, 2009)
Dir: Asghar Farhadi

Inusitadamente, Procurando Elly é uma grata surpresa entre os lançamentos do ano. O cinema iraniano volta bastante seu olhar para questões sociais que assolam o país, descendente direto do neorrealismo italiano. No entanto, Procurando Elly aposta na tensão criada a partir do desaparecimento de uma desconhecida. O filme tem a capacidade de fazer a situação se afundar no poço à medida que o desespero e os desentendimentos em torno da moça vão vindo à tona.

Elly (Taraneh Alidoosti) é professora de uma menininha cuja mãe decide convidá-la para um fim de semana numa casa de praia onde os amigos de Ahmad (Shahab Hosseini) festejarão seu retorno, pois o rapaz morava na Alemanha. Agora, divorciado, ele procura uma esposa iraniana, e Elly parece ser uma boa pretendente; isso se ela não desaparecesse no dia seguinte. O filme flerta com certa contemporaneidade das relações amorosas do mundo árabe, tão marcado pelas regras sociais e religiosas. Mas o maior trunfo da narrativa é manter o espectador apreensivo pelo desfecho da história, enquanto o mundo dos personagens desaba em nossa frente.

O Mensageiro (The Messenger, EUA, 2009)
Dir: Oren Moverman

O Mensageiro vem cercado de uma grande frustração. A ideia central do filme é muito boa: soldado que recebe a ingrata missão de fazer parte do grupo de notificação dos familiares de colegas mortos na guerra. Will (Ben Foster) se mostra bastante incomodado com sua nova função, algo que exige uma estrutura emocional que ele não possui justamente por ter voltado recentemente do campo de batalha depois de ser ferido. É assim que o filme procura alfinetar todo o sistema bélico na medida em que este desestrutura o psicológico daqueles homens que se dizem defensores de uma nação.

No entanto, além de se mostrar um tanto repetitivo, o filme por vezes envereda por caminhos estranhos que diminuem a força do todo (a ida ao casamento da ex-namorada de Will, por exemplo), embora existam momentos sensacionais ao longo do filme, com destaque para as abordagens de notificação, cercados de uma tensão incrível. Mas o melhor aqui são os personagens. Ben Foster faz um ótimo trabalho em revelar toda a dificuldade em se readequar à sociedade. Woody Harrelson é o tipo durão veterano que já se acostumou a seu trabalho. Mas ninguém está melhor do que Samantha Morton, dona de uma personagem complexa, que traduz muito bem a dor de uma mãe que perdeu o marido, frente à possibilidade de um novo relacionamento, embora não pareça ainda preparada. Uma das grandes atuações do ano.

Invictus (Idem, EUA, 2009)
Dir: Clint Eastwood

Por mais que eu goste do cinema clássico de Clint Eastwood, não tenho me identificado com seus últimos filmes. Para se juntar a Gran Torino e A Troca, chega Invictus repleto de frases feitas a fim de lançar um sentimento de compaixão e um discurso de tolerância na África do Sul pós-Apartheid. Esse não é um filme sobre Nelson Mandela (que em 2010 comemora 20 anos de sua libertação), mas de seu desafio em inspirar um sentimento de união num país dividido entre brancos ricos e negros duramente explorados em sua própria nação. Para isso, ele vai usar o valor do esporte, no caso, do rúgbi, para fortalecer esse sentimento.

Não duvido em nenhum momento da integridade do grande homem que é o Mandela nem de seu amor e senso de justiça, mas o filme se arrisca demais num discurso que soa muitas vezes panfletário, embora Morgan Freeman se esquive muito bem desse estigma. Pena que o roteiro é bastante fragilizado para dar conta da equipe comandada por François Pienaar (Matt Damon, correto, somente, o que me faz não entender sua indicação ao Oscar) que, de time fracassado, passa a equipe vencedora, como se uma simples visita de Mandela fosse o suficiente para injetar talento na equipe.

Um Olhar do Paraíso (Lovely Bones, EUA/Nova Zelândia, 2009)
Dir: Peter Jackson

Chega a ser um tanto inexplicável como um filme de Peter Jackson pode alcançar momentos tão constrangedores como acontece com esse Um Olhar do Paraíso. Como não li o livro homônimo de Alice Sebold no qual a história se baseia, não sei dizer se o problema está no material original (o que suspeito), ou se na transposição para a tela. Temos a adolescente Susan (Saoirse Ronan) que é assassinada por um maníaco e passa a vigiar sua família e o assassino de um lugar intermediário lá no além, onde quer que isso seja. Assim, o filme se divide em dois centros narrativos, e nenhum deles possuem a dimensão exata do drama que a história tenta expressar.

O universo paralelo criado é tão berrantemente digitalizado que só passa a impressão de mania de grandeza, de exibicionismo, além de não fazer sentido algum para a garota que transita de um espaço a outro sem um motivo claro. Na Terra, a coisa é ainda pior porque o filme não consegue desenvolver nenhum de seus personagens nem a dor que se abateu na família. Pai, mãe, irmãos e avó são todos muito rasos, apesar de possuírem ótimos intérpretes. O mesmo se pode dizer de Stanley Tucci, exageradíssimo em sua composição. O filme é cheio de uma tristeza que nunca parece soar verdadeira, embora toda a situação merecesse tal tratamento. Pior é quando o filme tenta apaziguar tudo com um final moralista, fajuto e adocicado. Que vergonha, Peter Jackson.

Educação (An Education, Reino Unido, 2009)
Dir: Lone Scherfig

Do início ao fim, Educação é um filme frágil. Parte do encantamento da jovem Jenny (a gracinha Carey Mulligan) por um mundo de liberdade e prazeres que quebra sua rotina e seus planos futuros ao conhecer o galante David (Peter Sarsgard) e seus amigos boas-vidas. Daí surge o interessante conflito entre a educação escolar tradicional para alcançar notas e graus de eficiência versus o aprendizado que a vivência pode nos proporcionar. Fica a sensação de desconforto toda vez que vemos a protagonista, uma garota tão inteligente, sendo enganada da forma mais descarada, e com um sorriso no rosto.

A construção dos personagens é fragilizada por capricho de um roteiro que ainda tem a insensatez de sabotar o próprio filme com um desfecho moralista e brochante. A atriz Carey Mulligan toma todas as atenções do filme, e merecidamente, numa interpretação cheia de vitalidade, mas destacaria também Peter Sarsgard, grande ator subestimado, que promove uma revolução na vida certinha da protagonista. Pena que faltou coragem para levar a proposta adiante.

14 thoughts on “Curtinhas

  1. Se Jackson gozou de uma quase-unanimidade positiva com aquela trilogia, agora está conhecendo o reverso da moeda…

    Surpreso com a opinião sobre EDUCAÇÃO, que sempre me pareceu bom. Espero poder tirar minhas próprias conclusões algum dia (minha cidade tá sem cinema).

    Cumps.

  2. Rafael, acho que o senhor foi um pouco duro com "Educação". Não que eu acredite que este trabalho tenha merecido uma indicação ao Oscar na categoria de melhor filme. Para dizer a verdade, acho a personagem ingênua em alguns aspectos, como pelo fato que você menciona em sua resenha e por ela acreditar que uma vida dos sonhos se dá em passeios em Paris e em bares noturnos com muito jazz (se não me falha a memória, ela diz isso duas vezes durante o filme). No mais, "Invictus" não tenho pressa de assistir, embora "Gran Torino" tenha sido um dos meus filmes favoritos em 2009, e "Um Olhar do Paraíso" é um fiasco em todos os sentidos, com exceção da performance de Stanley Tucci, que adorei.

  3. Não acho UM OLHAR DO PARAÍSO um filme tão ruim, conheço o material original, e, olhar, daria um filmaço. Não sei o que aconteceu. Mas ainda assim é bom, mas uma decepção, vindo do Jackson.
    O Mensageiro é apenas bom mesmo. E Educação é o filme mais superestimado dessa temporada de premiações. Só vale pela maravilhosa Carey Mulligan.
    Invictus eu vejo nesse fim de semana…

  4. (quase) concordo com todas as notas, especialmente a de Educação e Procurando Elly. Agora, não vejo nada de exageros na interpretação de Stanley Tucci em Um Olhar do Paraíso. Mas também acho que os personagens da família são rasos, apesar dos intérpretes.

  5. De fato Gustavo, e não dá para acertar sempre (quer dizer, só o Tarantino). Jackson trocou os pés pelas mãos nessa adaptação. Incrível como o filme é raso. Sobre Educação, sei que muita gente tem gostado do filme, mas acho muito frágil. Veja assim que puder.

    Alex, você que está sendo duro comigo me chamando de senhor. E vou fazer o que se não gostei do filme? E nem me incomodo da personagem ser ingênua, é um traço da personalidade dela, só que não combina com a garota inteligente que por vezes ela aparenta ser. O roteiro a faz ter essa dupla relação, soa um tanto mal construída. Do Um Olhar do Paraíso nem do Tucci eu gostei. Ele tá exagerado, mas bem que no início do filme a composição dele é ótima.

    Wallace, então o problema com Um Olhar no Paraíso foi a transposição, é? O texto me pareceu fraquinho, adocicado. Mas vá lá, não se acerta sempre né! (Só o Tarantino). Também adoro a atuação da Carey Mulligan, ela é uma gracinha.

    Matheus, estamos quites então. E sei que muita gente gosta de Educação mesmo.

    Fred, acho o Tucci bastante caricato, e o filme força demais o personagem dele, embora todo mundo desconfie dele só pela sua expressão. No início até que ele tá bem, mas depois fica muito com cara de "mau".

    Cinematranscendental, com alguns excessos, não, com muitos excessos.

    Elzio, tu não viu Educação ainda? Pensei que já tinha se encantado com o filme. E acho que Invictus é, sim, sobre o Mandela, mas não uma cinebiografia clássica. Pena que o filme é tão burocrático…

  6. Dos filmes comentados, só assisti a "Um Olhar do Paraíso" e não achei o filme tão ruim quanto você. É, sim, uma obra abaixo da média, mas acho que tem aspectos interessantes, como Saoirse Ronan, Stanley Tucci e os efeitos visuais.

  7. Ótimas análises, concordo com a maioria.

    De fato, o que Matt Damon está fazendo na disputa do Oscar? Gosto dele, acho um belo ator, mas o roteiro não permitiu que ele se destacasse.

  8. Kamila, a Ronan realmente está bem no filme, mas, coitada, ela precisa interagir com o nada. Ela fica presa a um texto raso e um desenvolvimento precário. Sem falar que aquele mundo imaginário dela é brega demais.

    Dudu, veja mesmo Procurando Elly. De longe não parece muita coisa, mas é um ótimo filme que vai crescendo em tensão de forma a deixar o espectador bastante apreensivo.

    Bruno, o Damon está correto, somente. Acho Invictus, de uma forma geral, bem raso. Vindo de quem vem, podia ser bem melhor.

  9. Acho que fui a única pessoa que consegui gostar de UM OLHAR DO PARAÍSO. É curioso, não tenho vontade de rever, mas embora ache que ele foi ajudado por ter sido visto do PRECIOSA (que achei baixo ao ponto de ser pornográfico – ainda que com atuações excelentes), tenho convicção de que fui um filme tão problemático quanto ok, bonito até. Curioso, mas não quero explicar. MÃE, aí sim, grande filme.

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