Baseado em antigos contos folclóricos, quando a figura da bruxa ou de qualquer tipo de lenda misteriosa e maléfica provocava realmente medo nas pessoas, A Bruxa nos coloca no ambiente da colonização inglesa em terras americanas no século XVII quando uma família se isola da vila onde viveu por conta de desavenças com os líderes religiosos da comunidade.
Eles passam a viver numa cabana solitária em frente a uma densa floresta. Logo o bebê da família some misteriosamente quando era cuidado pela filha mais velha, Thomasin (Anya Taylor-Joy), deixando a todos ali sem entender o que aconteceu. No entanto, ao espectador nada é escondido. Desde o início sabemos que uma bruxa toma a criança e faz coisas pavorosas com ela.
Enquanto isso, a mãe (Kate Dickie) entra em desespero e apela para respostas divinas que envolvem culpa e castigo cristãos, enquanto o pai (Ralph Ineson) tenta apaziguar a situação e seguir em frente, mesmo que a partir de então nada passa a dar certo para a família, como a plantação de milho que não vinga. Há ainda os irmãos gêmeos mais novos que injetam suspeitas por conta do comportamento inquieto e brincadeiras endiabradas, e o irmão do meio, Caleb, (Harvey Scrimshaw) que começa a demonstrar desejos sexuais pela irmã mais velha.
A partir daí, o longa passa a trabalhar não só os elementos do medo e do desconhecido, mas sem nunca apostar em surpresas ou sustos fáceis que envolvem a aparição da velha ou forças do mal que habitam a agora sombria e misteriosa floresta. Para além do mistério também plantado ali sobre se alguém estaria sendo uma espécie de cúmplice das forças do mal, o que mais fortifica A Bruxa como grande filme de gênero é que ele aponta para outros caminhos de fabulação a partir do terror sem sucumbir a seus artifícios mais banais.
Há uma dimensão dramática que interessa muito mais ao filme através dos conflitos que colocam os personagens em choque, tanto contra suas próprias crenças, como também em confronto uns com outros. Isso se dá a partir dos desdobramentos assustadores que vão acontecendo naquele microcosmo – e determinada sequência envolvendo Caleb e certa “iluminação macabra” sua é uma das coisas mais estranhas e fortes vistas em um filme de terror recente. Tudo isso os deixam completamente abalados e assustados, à mercê das influências malignas que rondam o lugar, fazendo esfacelar ainda mais o núcleo familiar.
Além de sustentar o suspense e o pavor de modo muito crível, o filme ainda consegue mirar em questões que se relaciona bem com o terror: a figura feminina associada à bruxaria através das desconfianças crescentes em torno de Thomasin em plena puberdade; a própria desestruturação da família, apesar de haver uma necessidade de acolhimento entre eles, poucas vezes levada a cabo de fato; e principalmente a crença religiosa como motor que rege o destino das pessoas – o contraponto do Diabo em relação ao Deus cristão em que eles acreditam é uma constante poderosa a que os personagens se apegam para tentar entender os acontecimentos e provações que estão vivenciando.
Eggers, à frente de seu primeiro longa-metragem, demonstra não só domínio cênico para o gênero, mas é eficaz também na construção de um roteiro muito perspicaz e original – o filme partiu de pesquisas que o diretor fez sobre contos antigos e histórias reais envolvendo casos de possessão e acusações de bruxaria na América antiga. A Bruxa acaba por apostar acertadamente numa espécie de materialidade do mal, esse que pode estar difuso para os personagens, mas que revela exatidão pelas consequências que provoca e concretude na forma a se manifestar, como veremos até o fim da história. Ali, corajosamente, o filme aponta para o mal não só como realidade palpável a espreitar os indivíduos, mas como possibilidade intrínseca capaz de atrair o ser humano.