Amanda faz parte de um seleto grupo de filmes singelos, o que alguém poderia chamar de filme menor, mas que retém uma força emocional impressionante, uma capacidade de se tornar grande colecionando pequenos momentos de vigor e emoção. Mas está longe de ser um filme piegas ou meramente edificante. É realmente muito difícil manejar a emoção sem cair no lugar comum do sentimentalismo, e o diretor Mihaël Hers trafega com maestria por uma série de assuntos espinhosos com uma harmonia invejável. Amanda é um filme que guarda muito mais complexidades do que parece de imediato.
Na trama, o jovem David (Vincent Lacoste) divide-se entre trabalhos esporádicos para ganhar algum dinheiro e a ajuda que dá à irmã para cuidar da filha pequena, Amanda (Isaure Multrier). Mãe solteira, Sandrine se dá bem com o irmão, ambos distanciados da mãe e de pai ausente. Uma tragédia pega os personagens (e os espectadores menos avisados) de surpresa, e David se vê impelido a cuidar sozinho da sobrinha.
Amanda torna-se então um filme de crescimento a partir do momento em que os personagens devem entender o sentido da responsabilidade, mas, mais ainda, o sentido do companheirismo, que se mistura com uma ideia muito palpável de pertencimento familiar. É um desafio grande para David, acima de tudo porque ele mesmo teve essa mesma experiência fraturada na infância por conta do próprio desarranjo no relacionamento de seus pais.
Tudo isso faz um paralelo muito curioso com outro filme francês que chegou ao circuito brasileiro no início do ano, A Nossa Espera/Nos Batailles, de Guillaume Senez, cujos personagens, pai e dois filhos, são abandonados pela mãe e esposa. Seguir e amadurecer é o caminho que lhes resta, assim como acontece em Amanda. Ambos os filmes entendem que isso demanda tempo – e também certo apoio emocional dos que estão ao redor – e, sobretudo, entendem que certas batalhas na vida se travam no interior de cada um.
Em Amanda, o percurso emocional de seus personagens é tão bem cuidado pelo diretor e sua roteirista Maud Ameline que o filme alcança aquele difícil equilíbrio entre a sobriedade – porque é muito sincero com todos em cena, cada qual muito bem dimensionado em seus dramas pessoais, mesmo os personagens secundários – e a emoção verdadeira. Reside aí o grande mérito do trabalho de Hers, uma mão muito segura e ao mesmo tempo terna ao lidar com momentos tão delicados. Os personagens são capazes de cair em pratos de repente em cena e isso não soar tentativa de manipulação barata dos sentimentos do público. Há algo de genuíno nos passos, nas demonstrações de fragilidade e insegurança dos personagens, ainda que reste muito de força neles também. Isaure Multrier, que vive a pequena Amanda, irrompe em momentos de enorme comoção com uma veracidade ímpar – a cena final do filme é uma dessas preciosidades –, o que reforça tanto seu talento quando o de Hers para dirigir atores mirins.
Em 2015, o diretor já havia dirigido Aquele Sentimento de Verão, filme que trazia as mesmas cores e temas similares. São obras irmãs que apresentam momentos difíceis para seus personagens, o luto como ponto central, e ao redor o verão parisiense marca presença a embalar a vida que segue. São filmes ensolaradamente melancólicos, contraste poucas vezes explorado no cinema, mas que remete à inevitabilidade das tragédias, pessoais e sociais.
Existe no filme, ainda, um subtexto político que reflete o momento de instabilidade social na Europa, via atentados e demais disputas e conflitos envolvendo a população de refugiados. Isso atravessa o filme sem muitas contextualizações. Apesar do interesse do diretor se concentrar em outro ponto, tal contexto estabelece um mundo de inconstâncias no qual seus personagens estão à mercê. No fim, a vida se assemelha a um jogo de tênis, a bola vai e volta, e é preciso acreditar que nessa persistência e embate cotidianos, o simples sublime acontece.
Amanda (França, 2018)
Direção: Mikhaël Hers
Roteiro: Maud Ameline e Mikhaël Hers