CachoeiraDoc – Parte II

Taego Ãwa (Idem, Brasil, 2016) 
Direção: Marcela Borela e Henrique Borela

 

A demarcação e apropriação de terras é uma das questões que mais persegue a luta pela afirmação dos povos indígenas remanescentes no Brasil. Taego Ãwa poderia muito bem se concentrar nessa questão, enfrentá-la e problematizá-la, mas prefere outro caminho narrativo, sem ter de negar a proposição do embate. O filme propõe um confronto (ou talvez um simples encontro) com algumas imagens de arquivo, resgatadas pelos dois diretores a partir de fitas VHS encontradas numa universidade.

Essas imagens intercomunicam-se com as imagens possíveis da vida atual daquela tribo. O filme tem a disposição de observar a rotina do povo Ãwa assim como observamos nos arquivos certas marcas de uma rotina que nunca deixou de ser de sobrevivência e afirmação da própria resistência deles naquele espaço. Os índios da tribo Ãwa foram em grande parte dizimados e muitos de seus membros espalharam-se pelo Brasil. Há pouco tempo, voltaram a se unir e lutam, junto aos órgãos do governo, pela demarcação de terras, suas por direito.

Não há como fugir da discussão sobre a memória e de certa preservação dos modos de vida no passado que, em certa medida, são tão diferentes da atual, pela força das próprias circunstâncias que modificaram e, em parte, dizimaram a vida dos povos Ãwa. No entanto, essas imagens dizem muito mais respeito a uma memória que possa ser acessada por povos não indígenas na medida em que esse tipo de registro não nos é comum, corriqueiro, nem costumam ter relevância

Se pensarmos que a grande força de transmissão cultural da tradição indígena se faz a partir da oralidade, essa memória resgatada pelas imagens não deixam de ser um modo de representação feito pelo outro lado da moeda (ou da câmera), assim como as imagens atuais da tribo também o são. O que os irmãos Borela parecem fazer aqui é reforçar o diálogo entre esses registros como uma proposição de encontro. Uma das sequências mais marcantes é o registro de um longo processo de um índio caçando um veado, um embate que se dá no âmbito das leis da natureza, mas também sublinha a determinação e os modos de sobrevivência que os mantém de pé até hoje.

O filme não está interessado em revelar as surpresas ou reações que os índios tiveram com essas imagens, como forma de reconhecimento e espelho, mesmo que levando em conta a distância temporal. Mas o revelar dessas imagens ilumina um passado que é de constituição de um povo, e nos lembra da ausência que esse tipo de registro ajuda a negar a própria forma de resistência atual dos povos indígenas. A vida dos Ãwa corre, passam pela rotina, pela pintura corporal tradicional, ainda que paralelamente a luta pela reafirmação de seu espaço esteja em curso.

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