CachoeiraDoc – Parte IV

Aprender a Ler
para Ensinar Meus Camaradas
(Idem, Brasil, 2013)
Dir:
João Guerra

A
premissa inicial desse filme é das mais interessantes: dois músicos angolanos
saem de sua terra natal para buscar na Bahia matizes de sua cultura original. Tentam
resgatar fora de seu país algo inerente a ele próprio. Poucos são os olhares
que nos chegam e refletem sobre a transculturalidade entre países marcados pela
diáspora negra, especialmente os de língua lusófona, tão caros a nós.
Também
as proximidades entre Brasil e Angola ainda são muito pouco exploradas nas
nossas práticas sociais, raramente representadas nas manifestações da cultura. É
um pouco disso que tenta fazer Aprender a
Ler para Ensinar Meus Camaradas
, do baiano João Guerra. Escolhe-se a música
para reverberar elementos de uma ancestralidade que, rarefeita em Angola,
busca-se encontrar na Bahia, essa terra irmã que preservaria muito do que aqui chegou com a vinda das populações negras.
Sambas,
sembas, chulas e lamentos negros e demais manifestações são revisitados pelos músicos em contato com
outros artistas baianos. O cantor e compositor Roberto Mendes é figura central
aqui, pois é com ele que os angolanos farão um show final em que essas matrizes
musicais se intercalam. Mas estão lá figuras importantes que carregam essa
ancestralidade musical como o sambista Riachão e o cantor e compositor Mateus
Aleluia, do antigo conjunto musical Os Tincoãs.
No
entanto, há de se pontuar uma via de mão única que se percebe em alguns
momentos do filme. Os músicos Wyza Kendy e Dodò Miranda vêm à Bahia
para aprender, mas eles também podem ensinar, o que pouco acontece. Tem-se uma postura quase subserviente
em relação ao que aqui eles encontram, como se a Bahia fosse o último reduto
dessa cultura outrora esquecida (será que a preservamos tanto assim?). Muitas vezes
o lugar da fala está somente nos artistas baianos que simplesmente transmitem
saberes aos angolanos forasteiros e sem informação.
No
entanto, essa percepção não estraga nem desvirtua o passeio por entre culturas
que o filme promove. Tão perto culturalmente, mas tão distantes
diplomaticamente, Bahia e Angola ganham belos traços de comunhão nesse filme que
também revela ao espectador muito do que a ancestralidade nos legou. Cinema é
também apre(e)nder.
A Vizinhança do
Tigre
(Idem,
Brasil, 2014)
Dir:
Affonso Uchoa 
 

Com A
Vizinhança do Tigre
, Affonso Uchoa mira seu olhar em um grupo de jovens de
um bairro periférico da cidade interiorana de Contagem, em Minas Gerais. Não há
um fio narrativo que guie suas histórias, mas o captar de rotinas (por vezes anódinas,
o que torna o filme um tanto redundante também). São garotos pobres que vivem
sem muitas perspectivas de estudo ou trabalho, soltos numa realidade social
pouco favorável, na iminência da marginalidade.
O estado de violência é o que mais parece rodear
aquele ambiente, embora ela nunca marque presença de forma gráfica. A força do
filme está em fazer ver a violência por conta de sua quase intromissão na
narrativa, esse quase adentrar no filme. Ela está, principalmente, nas brincadeiras
(geralmente com armas, tiros e morte) desses garotos, também pelo envolvimento
com drogas e gente do tráfico. Trata-se, portanto, de um filme anticlimático,
prenunciando uma tensão que nunca explode de fato.
O cineasta demonstra uma intimidade muito grande com
aqueles personagens porque consegue captar momentos particulares de entrega
para a câmera. Deixa claro, também, que muito do que se vê tem uma base de
interpretação evidente (o que se nota em certos diálogos muito ensaiados ou takes bem estudados e realizados), tomando emprestado
da própria rotina dos garotos certas situações.

No entanto essa marca de encenação encontra-se muito
diluída na narrativa. Tem-se a triste impressão de adentar num universo cheio
de possibilidades e vitalidades, como é próprio do mundo dos jovens, apesar da
impressão forte de que eles irão derrapar hora ou outra no meio do caminho, inevitavelmente. Isso torna A Vizinhança do Tigre um filme muito
sincero sobre a realidade que documenta, além de lançar um olhar melancólico para
um futuro incerto e perigoso.

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