Carência de evolução

Planeta dos Macacos – A Origem (Rise of the Planet of the Apes, EUA, 2011)

Dir: Rupert Wyatt


A tentativa de atualização de obras clássicas do cinema é sempre algo muito arriscado, embora a indústria do grande espetáculo nunca irá deixar de assim fazê-lo. Vende-se isso como uma necessidade contemporânea de “modernizar” as boas (ou nem tão assim) obras. É bem fácil se convencer de que isso é desnecessário, mas que tem lá seu valor quando se pretende oferecer um produto no mínimo interessante.

Planeta dos Macacos – A Origem faz juz ao ótimo material original do qual é baseado, transpondo para a atualidade a história de rebelião dos primatas contra os humanos, injetando novas ideias à história clássica. No entanto, é bastante irregular na forma como constrói sua narrativa e, principalmente, desenha seus personagens.

Conhecemos o cientista Will Rodman (James Franco) que, na tentativa de descobrir a cura para o mal de Alzheimer, através da utilização de um vírus geneticamente modificado, testado em macacos, descobre que ele acaba por aumentar o nível de inteligência dos primatas. Quando uma dos espécimes testados ataca as pessoas durante uma demonstração da eficiência do experimento, a empresa decide abortar as pesquisas. No entanto, Will resolver levar para casa o filhote da macaca, o pequeno Caeser.

Ele será o personagem principal da história. Assim, os melhores momentos do longa serão aqueles que mostram o crescimento e a enorme desenvoltura intelectual de Caeser, além do seu despertar acerca da necessidade de se rebelar contra a raça humana. No entanto, o filme parte de uma visão um tanto maniqueísta para ilustrar as atitudes “maldosas” das pessoas que Ceaser encontra, exceto da família que o abrigou, que conta ainda com o pai doente de Will (John Lithgow) e a noiva do cientista (Freida Pinto), todos muito carinhosos e bonzinhos.

É aí que a narrativa perde considerável qualidade quando o foco recai sobre esses humanos tão bidimensionais e pobremente representados (e fora Lithgow, Franco e Pinto surgem como os atores apagados que comumente são). Não se explica por que, inconsequentemente, Will resolve levar Caesar para casa, ou o que passava na sua cabeça em testar no pai (que sofre de Alzheimer, olha que coincidência!) uma substância cuja eficiência ainda não está completamente comprovada. O que acontece é que o filme precisa dessas intervenções para seguir adiante.

Mas a história só não é mais dificilmente crível porque um dos grandes trunfos do filme é a construção dessa percepção de Caeser, que encontra no ator Andy Serkis um grande intérprete. Por baixo de toda a tecnologia de captura de movimento computadorizada, com a qual o ator já está acostumado (viveu, magistralmente, o King Kong no filme homônimo de 2005 e Gollum na série O Senhor dos Anéis), existe uma performance cuidadosa em expressar os sentimentos e angústias do macaco. Graças à qualidade dos efeitos especiais, essas expressões ficam bem marcadas no personagem. Uma pena que a qualidade desses efeitos não seja uniforme em todo o filme.

Mesmo assim, a própria construção da “revolução” dos primatas surge como algo previsível e pouco estimulante porque já desenhamos em nossa mente o que vai acontecer. Se a ideia era atualizar, então, Planeta dos Macacos – A Origem precisa evoluir mais um pouco para entregar algo que seja realmente estimulante e tenha vida própria.

7 thoughts on “Carência de evolução

  1. Olá Rafael,

    Concordo com você quando diz que existe um certo bidimensionalismo no filme. Acho que isso decorre da vontade de provar uma tese. Isso é bem forte no filme todo, o que prejudica bastante os personagens. Ainda assim, acho que a tese não é completamente desinteressante. De qualquer modo, o filme poderia ter trabalhado melhor essa relação entre trama e tese.

  2. "O Planeta dos Macacos" original é um dos meus filmes favoritos e encarei com receio este prequel. Mas não é que o resultado, ao menos para mim, foi bem positivo? Concordo totalmente com você ao apontar a falta de dimensão dos personagens. Relevando isto, digo que a narrativa foi feliz ao centrar todas suas atenções em Caesar e fazê-lo demonstrar muitos mais sentimentos que os próprios seres humanos que surgem na história. Muito legal e com efeitos especiais que merecem menções nas principais premiações cinematográficas.

  3. Pois eu achei que esse filme foi estimulante e teve vida própria. Adorei a obra, especialmente a discussão que faz da humanização x hominização do Ceasar. Um longa ótimo, com uma grande atuação do Andy Serkis. Ainda que tenha, sim, algumas lacunas mal explicadas em seu roteiro.

  4. Os estereótipos humanos que aparecem no filme se justificam por seus fins narrativos — e, como sempre foi na série, ela tende aos extremos: às vezes extrapola o sensato ao querer mostrar suas intenções. Dessa forma, desenvolve muito bem seu protagonista, e deixa ao público, novamente como sempre foi na franquia, a inquietação dos temas filosóficos que a história traz. Acredito que facilmente supere a série original, que tinha apenas no primeiro filme algo realmente relevante — os outros foram esboços mal dirigidos.

  5. Leandro, estou de acordo que a tese não seja desinteressante de todo, não é mesmo, mas o filme se desdobra de forma irregular para elaborá-la. E mesmo assim é um tanto frustrante porque já imaginamos como toda a história vai acabar.

    Alex, faz um bom tempo que vi o filme original, precisaria muito ver novamente, assim como todos os outros da "série". Ceasar é mesmo um personagem fascinante, mas ele sozinho não faz a história avançar e os personagens secundários sofrem com um mau desenvolvimento. Ainda me incomoda muito isso.

    Kamila, realmente não compartilho contigo a mesma admiração pelo filme, mas concordo que as dicussões que suscita em torno dos conflitos pelos quais Ceaser vai passar são mesmo os pontos altos do longa. Pena que os outros personagens não sejam tão bem definidos assim em seus dramas.

    Antonio, pois eu gosto do final, não sei se teria como ser diferente. E, sinceramente, não acho o Franco carismático até porque não o vejo como bom ator, além de ter recebido um texto fraquíssimo. Ceasar é o grande personagem aqui.

    Pedro Henrique, bem que podia ser pior mesmo, mas ainda assim acho que tem uma irregularidade em seu roteiro que me incomoda demais.

    Mateus, não sei se é preciso de estereótipos para esses fins. Personagens bem trabalhados são sempre bem-vindos a qualquer filme. Justamente por seu tom filosófico e que carrega discussões tão profundas é que os personagens humanos poderiam ser bem mais complexos do que se apresentam. Assim, vira até covardia comparar Ceasar, tão bem trabalhado pelo roteiro, com os humanos que ele encontra pelo caminho.

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