Curtinhas

Arca Russa (Russkij Kovcheg, Rússia/Alemanha, 2002)
Dir: Alexandr Sokurov

O mérito de Arca Russa não se deve somente pelo fator histórico de inovação ao ser o primeiro longa-metragem filmado todo em um único take, mas sim pela viagem quase onírica a que propõe Alexandr Sokurov, tanto pelos espaços do Museu Hermitage, localizado em São Petersburgo, como através do tempo. Ou seja, pela História. Nada no filme é cronológico e por vezes exige não só um pouco de conhecimento sobre artes plásticas como também sobre a História da própria Rússia, mas nada que prejudique a experiência do filme.

Cada próxima sala a ser visitada e explorada é uma surpresa e a câmera possui uma leveza que passeia de um corredor a outro sem a menor pressa. É também um filme de grande contemplação. Há um personagem guia (Sergei Dontsov) que entra na narrativa com a mesma facilidade com que a abandona, se tornando um anfitrião ao mesmo tempo cavalheiresco e esquisito, no melhor sentido do termo. E é bastante evidente que os trabalhos de figurino e direção de arte sejam primorosos, como não podia ser diferente.

Che 2 – A Guerrilha (Che: Part Two, EUA/Espanha/França, 2008)
Dir: Steven Soderbergh

Depois de lutar ao lado de Fidel Castro para concretizar a Revolução Cubana, apresentado no primeiro filme, Soderbergh dá continuidade à saga do mítico Che Guevara em sua tentativa de espalhar a revolução socialista armada pela América Latina, a começar pela Bolívia. O protagonista não possui muita coisa de mítico nesse projeto duplo porque Soderbergh continua filmando com distanciamento, sem exaltar a figura do Che, mostrando suas fragilidades e os princípios tanto de violência como de determinação em prol da causa revolucionária e da melhoria de vida de povo sulamericano.

Mesmo assim, essa segunda parte perde muito em relação à anterior porque se torna por demais repetitiva e sem grandes momentos, se elevando somente ao final. É como se o filme se acomodasse em sua própria estrutura e transcorresse burocraticamente para contar a (H)história. Esteticamente, a produção continua impecável, com ótimo trabalho de fotografia e trilha sonora pontual, além de algumas mudanças fazerem muito sentido, caso dos planos que surgem aqui mais fechados como que simbolizando o próprio estágio de cerco ao qual Che e seu grupo vão sendo submetidos. O final, sem estardalhaços, soa bastante frio. Era quando justamente a emoção devia estar mais presente.

Atrizes (Actrizes, França/Itália, 2007)
Dir: Valeria Bruni Tedeschi

O início de Atrizes parece prometer uma história em que os dramas e dilemas de atores estarão em primeiro plano. Seria bastante pertinente para o segundo filme dirigido pela atriz ítalo-francesa Valeria Bruni Tedeschi. Uma pena que a história se mostre uma bagunça danada e perde muito por não manter um foco definido. As crises de meia-idade de Marcelline (vivida pela própria Bruni Tedeschi), uma atriz que passa a ser atormentada pela personagem da peça que está ensaiando, se mistura com o surgimento de diversos outros personagens em cena.

E existe uma interessante vontade de tornar tudo mais atraente ao incursionar o filme por um tom fantástico, pontuando alguns momentos de surrealidade, mas são tão vazios e fracos que perdem o propósito. Embora os personagens surjam pouco desenvolvidos pelo roteiro, há bons atores no time. O melhor deles é Mathieu Amalric, fazendo de tudo para que seu diretor teatral seja o mais inconstante possível; Louis Garrel, por sua vez, cria com muita facilidade um galã. Mas na junção de todos esses elementos, bate uma impressão forte de que a falta de maturidade é o maior problema aqui.

7 thoughts on “Curtinhas

  1. Já viu o novo do Woody Allen? Vai ser lancado no Brasil nessa semana. Pirei quando vi num anúncio num jornal daqui que já tinha passado ou que ia passar, já nao lembro, tem umas semanas que vi

  2. Acho ARCA RUSSA inacreditável! É curioso que li esses dias um comentário sobre o filme, dizendo que ele serve a uma visão conservadora da sociedade russa (até pq as citações ao comunismo são mesmo meio ácidas). Acho que talvez até faça sentido, mas ainda assim é impossível ignorar a beleza do filme…
    Quanto ao CHE 2, permita-me discordar: acho que o filme é muito menos arrastado do que o primeiro, com os letreiros com a passagem do tempo funcionando como uma angustiante contagem regressiva. E acho o final belíssimo, me emocionei de verdade.

  3. "Arca Russa": engraçado que recentemente vi um filme do Aleksandr Sokurov, "Alexandra", e não gostei. Mas tenho muita vontade de assistir este título, pois estou muito curioso para saber como se sai este filme que conta somente com um longo plano sequência.

    "Che 2 – A Guerrilha": DETESTEI "O Argentino" e duvido que eu possa gostar dessa segunda parte, que verei em breve. Acho que o principal problema do projeto é o distanciamento que estabelece o seu diretor. Pelo que li aqui, o problema persiste nesta sequência.

    "Atrizes": é um drama com momentos cômicos bem sofrível. Até acredito que Valeria Bruni Tedeschi cometa os seus pequenos acertos em sua condução e interpretação, mas o roteiro é muito desinteressante, embora percorra caminhos intrigantes, como o tom fantástico que o predomina em muitos momentos.

  4. Cara, o que o Sokurov fez com Arca Russa foi sensacional! E só mesmo o formato digital para permitir tal façanha. Pelo que li, eles acertaram todo o planossequência já na quinta tentativa! Haja ensaio!

    Quanto ao Che, achei um filme chatíssimo. Tive vontade de sair no meio da sessão.

  5. Iulo, meu filho, realmente o filme tava previsto para estrear neste último final de semana aqui na roça desse país, mas inexplicavelmente foi adiado para março do ano que vem (!?!). Isso mesmo, acredite, e eu todo feliz aqui. Mas enfim, se tiver a oportunidade de ver por aí, não deixe passar.

    Wallace, também acho Arca Russa foda demais, e é bem interessante essa coisa do conservadorismo, até porque o filme todo tem aquele ar de aristocracia, o que não deixa de ser um escolha estética também. Inclusive, eu imaginava que os líderes comunistas iam ter maior participação no filme, mas me enganei. E também porque não parecia que o intuito era condensar a História toda do país, isso é tarefa hercúlea. Sobre o Che 2, sério que você não acha tão arrastado? Pois eu senti isso, e acabou que não tive a mesma sensação que você no final.

    Alex, tu não gostou de Alexandra? Eu o coloco entre os 20 mais do ano, mas enfim, o Sokurov é um diretor a se conhecer mesmo, eu só vi esses dois e gostei muito. A experiência de Arca Russa é incrível, não deixe de ver. Sobre o Che, pois é esse mesmo distanciamento que eu achei fascinante no projeto, o personagem é visto com muito mais verdade e objetividade. Pena que nessa segunda parte a coisas tenha ficado mais cansativa. E Atrizes é mesmo um pequeno fracasso, com um elenco daqueles dava para a diretora ir mais longe e não vejo muitos acertos dela, não!

    Realmente Fred, o Sokurov fez uma pérola, e ensaiar aquilo deve ter sido a maior dor de cabeça, mas valeu a pena pelo exuberante resultado. O Che 2 é um tanto arrastado, mas não acho o projeto chato.

    Com certeza Gustavo, arte pura!!!

    Diego, Arca Russa é mesmo um trabalho impressionante, dá um gosto danado de ver. E o Che pode ser um pouco arrastado, mas nunca dispensável. A construção do personagem é muito boa e o trabalho de direção do Soderbergh, principalmente na primeira parte, é ótimo.

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