Curtinhas

Nome Próprio (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Murilo Salles

Logo na cena inicial de Nome Próprio somos apresentados não só a uma protagonista em estado de descontrole, mas também a um estilo de filmagem seco e direto que acompanha todo o filme. Camila (Leandra Leal) é uma jovem compulsiva e controladora que encontra num blog o lugar ideal para registrar os descaminhos de sua vida conturbada. O fim de um namoro é o início para a degradação física e psíquica de Camila, baseada na personagem homônima criada pela blogueira Clarah Averbuck e retirada de dois livros de sua autoria, Máquina de Pinball e Vida de Gato, além de textos publicados em seu blog pessoal.

E é bem fácil perceber como Leandra Leal sustenta o filme todo, mesmo quando o ritmo da narrativa cai bastante, ou quando o roteiro parece não saber o que fazer com sua personagem (com certeza, se eu tivesse visto o filme ano passado, a atriz estaria entre minhas cinco melhores do ano). Uma pena que o filme caminhe para um final sem muita consistência. O que Camila escreve no blog soa como um discurso pseudo-filosófico, auto-importante, reflexo do vazio da própria personagem. Sua existência parece tão anacrônica e gasta como a internet discada que ela usa.

Nascidos em Bordéis (Born Into Brothels: Calcutta’s Red Light Kids, EUA, 2004)
Dir: Zana Briski e Ross Kauffman

Ao fazer um trabalho de fotografia com filhos de prostitutas na Índia, a fotógrafa Zana Briski decidiu pôr as câmeras nas mãos das próprias crianças e ensinar-lhes a arte da fotografia. A intenção é das mais interessantes pelo propósito de tentar revelar as mazelas sofridas por aquelas crianças a partir de uma visão interior, revelando espaços cujo acesso lhes é mais fácil. Mas em determinados momentos o documentário se torna panfletário, pois Zana (também diretora do filme) mostra a si mesma como uma mártir piedosa que faz de tudo para ajudar aquelas criancinhas indefesas, beirando à prepotência. Uma visão de comiseração e autoimportância que busca a comoção da forma mais apelativa possível.

No entanto, o que salva o filme é o bruto e real retrato daquelas crianças que provavelmente não conseguirão melhorar de vida. E o pior é perceber o quanto elas mesmas têm consciência disso. É bem triste ouvir uma delas dizer que gostaria de tirar a amiga de casa porque sabe que acabará seguindo os mesmos passos da mãe.

Almoço em Agosto (Pranzo di Ferragosto, Itália, 2008)
Dir: Gianni di Gregorio

Esse eu perdi durante o Semcine. Na época fiquei muito chateado porque preferi ver Nouvelle Vague, do Godard, que se revelou um porre. O sentimento de chateação se desvaneceu assim que eu consegui conferir o filme italiano e suas fragilidades. A história gira em torno de Giovanni (o próprio diretor Gianni di Gregorio), homem de meia idade que mora sozinho com a mãe (Valeria De Franciscis), já idosa; para conseguir uma graninha e pagar o aluguel do apartamento, ele resolve acolher em sua casa a mãe do síndico do prédio, outra velhinha. A partir daí, mais senhoras passarão a fazer estadia na casa, aos cuidados de Giovanni.

Mas é uma pena que a história nunca engate, deixando para trás uma forte impressão do potencial que todos os segmentos com suas tantas personagens curiosas tinham para ser melhor explorados. O filme se acomoda numa estética de câmera na mão que passeia pela casa, vasculhando cada canto e tenta vencer pela naturalidade, mas acaba soando insosso e desgastado. As tentativas de fazer comédia parecem ser abortadas pelo próprio roteiro. O fato de ser o primeiro filme dirigido pelo roteirista de Gomorra (e produzido por seu diretor, Matteo Garrone), não é uma grande referência porque sã obras bastante distintas tematicamente. No fim, um gosto de frustração.

O Grupo Baader Meinhof (Der Baader Meinhof Komplex, Alemanha, 2008)
Dir: Uli Edel

Esse filme é uma bagunça. Na tentativa de contar a história de forma ágil e eletrizante, o diretor Uli Edel passa por cima de fatos e personagens e deixa o espectador à mercê de uma narrativa que não dá tempo pra respirar nem digerir o que é jogado na tela. De fato, é tarefa muito complexa dar conta num único filme da história do grupo alemão formado no pós-guerra que tinha a intenção de combater um certo fascismo com tendências a retornar aos centros do poder político na Alemanha, mas passou a agir de forma tão brutal e anárquica que acabou gerando uma onda de violência e caos no país.

A história perde interesse pelo simples fato de tudo parecer muito rápido, os personagens somem da narrativa com a mesma regularidade com que as ações se repetem o tempo todo (muita coisa no filme é explodida), sem falar nos furos de roteiro que por vezes se tornam difíceis de identificar por conta da pressa da montagem. E essa parece ser a grande culpada, porque se pretendia ser dinâmica (talvez para fazer voar os 150 minutos de filme), acaba entorpecendo o espectador e deixando tudo no campo do confuso. Alguém precisa fazer uma reciclagem na cabeça dos velhinhos da Academia de Hollywood que indicou a obra como melhor Filme Estrangeiro este ano.

6 thoughts on “Curtinhas

  1. Também esperava mais de Baader Meinhof, mas até que gostei do filme… só acho que ele carrega um pouco demais nas tintas negativas dos membros do grupo: os líderes são maquiavélicos e manipuladores, os outros jovens são todos vítimas alienadas nas mãos deles… parece uma visão meio VEJA de mundo… hehe. Enfim, mas acho que vale o registro histórico, e essa agilidade do filme me agradou.
    Quero ver Nome Próprio…

  2. Eu fiquei meio que na mesma depois de assistir a "Almoço em agosto". Não que tenha achado ruim, mas também não me envolvi. Tem seus encantos pela simplicidade e pela simpatia das velhinhas. Mas acho que o argumento poderia ter sido mais trabalhado.

    Abs!

  3. esse foi um dos textos que melhor resumiu 'nome próprio' até hoje. mais do que um estudo de personagem, um filme de atriz – que o carrega sem pena.

    não vi os outros, embora a vontade de assistir ao alemão seja maior – ou nem tanto, pensando e lendo bem.

    abraço!

  4. Gustavo, eu também esperava coisa bem melhor do Baader Meinhof. É mais um indicativo de como a Academia é política, ou pelo menos tenta se mostrar politizada. O Nascidos em Bórdeis é mesmo de cortar o coração, poderia ser melhor se não fosse tão autoimportante.

    Wallace, "visão VEJA de mundo" foi muito bom, hahahaha. E o filme carrega mesmo nesse maniqueísmo além de ser uma bagunça só querendo ser dinâmico. Tava com muita paciência pra ver esse filme.

    Dudu, isso mesmo, o filme é meio apático, a gente termina e di: "Sim, e dái?". Filme acomodado porque as histórias das velhinhas poderiam ser bem mais exploradas.

    De fato Kamila, a Leandra Leal é a melhor coisa do filme.

    Leandro, como disse acima à Kamila, Leandra Leal é a melhor coisa do filme que se aproveita bastante do talento dela e constrói sua personagem até o limite do grotesco. Para assistir ao alemão precisa um tanto de disposição. Mas tente, quem sabe?

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