Dir: Takeshi Kitano
Glória ao Cineasta é o segundo filme de uma trilogia idealizada pelo cineasta japonês Takeshi Kitano como forma de passar a limpo sua própria filmografia (os outros filmes são Takeshis’ e Aquiles e a Tartaruga). Com foco na comédia, algo sempre presente em suas obras, o próprio Kitano interpreta ele mesmo como um cineasta em crise criativa, sem saber que gênero de filme fará em seguida; está sempre acompanhado de um boneco idêntico a ele. O filme simula filmagens de possíveis obras, indo do terror aos dramas de época à lá Yasujiro Ozu, passando pela ficção científica. O grande problema é que tudo vem acompanhado de uma comédia jocosa grosseira, ora escatológica, ora boboca, fazendo o filme soar primário na busca pelo riso fácil. Uma pena porque mesmo em trabalhos mais sérios como o excelente Zatoichi e o ótimo Hanna Bi – Fogos de Artifício, ele conseguia incluir o cômico em momentos inesperados, alcançando resultados satisfatórios. Aqui, o filme tenta vender o ridículo como graça e chacota, mas não percebe o quanto ele mesmo está sendo ridículo.
Garotas do ABC (Idem, Brasil, 2003)
Dir: Carlos Reichenbach
Esse é meu primeiro contato com o cinema do cultuado Carlos Reichenbach, cineasta brasileiro surgido em fins da década de 60 e mais próximo do cinema Boca de Lixo dos anos seguintes, com um pé na pornochanchada. Mas é um diretor que conseguiu sobreviver a essa época e surge hoje como profissional respeitado, porém ainda underground. O filme aborda o universo feminino de operárias de uma fábrica têxtil no ABC paulista, tendo como personagem guia Aurélia Schwarzenega (Michelle Valle), fã dos astros de filmes ação. As moças, cada qual com suas dificuldades e audácias, perfazem as relações de amizade e desavenças daquele universo. Elas falam palavrão, conversam sobre sexo da forma mais despudorada e ouvem música brega no rádio de pilha. A despeito desse rico material, o filme possui várias restrições: um texto mecânico e burocrático, a irritante tentativa de Carlão em filmar sempre em ângulos distintos e “descolados” (beirando o exercício de estilo) e as péssimas atuações de um elenco sofrível. Nem Selton Mello foge de uma caracterização exagerada de seu personagem, o líder de uma gangue racista meia-boca (espaço para que o filme inclua um discurso simplório sobre o sistema de dominação na sociedade). Uma boa tentativa, mas que, considerando a experiência do cineasta, podia muito bem ser melhor aproveitada.
Falsa Loura (Idem, Brasil, 2007)
Dir: Carlos Reichenbach
Se Garotas do ABC é uma decepção, a maior alegria é ver que Falsa Loura se aproveita do mesmo material e ambiente que o filme anterior, mas é melhor em todos os sentidos. O universo das operárias volta a ser abordado por Reichenbach mais uma vez num filme essencialmente feminino. Silmara (Rosanne Mulholland) é a protagonista da vez da qual tendemos a antipatizar logo de início por conta de seu jeito arrogante, cheio de si e sua atitude um tanto safadinha. Mas numa evolução da personagem, vemos o cuidado e carinho que ela nutre pelo pai e a relação de afetividade com as amigas. É uma mulher que busca a felicidade, a seu modo, naquele ambiente, com sua personalidade forte. A narrativa ainda reverte o lugar comum da garota linda com problemas na família. O envolvimento dela com Bruno (Cauã Reymond), o vocalista de uma banda brega, só demonstra o quanto aquela atmosfera é própria da personagem. Nesse sentido, Reichenbach preenche o filme de verdade e naturalismo. Além disso, o cineasta possui uma direção mais elaborada, filmando tudo com cuidado e apreço, sem nunca soar exibicionista, como acontece em Garotas do ABC. Há, por exemplo, câmera fixa ou longos planos que nunca chamam atenção para si mesmos. O texto também ficou mais natural e as atuações bem melhores, em especial de uma Rosanne Mulholland que confere personalidade a Silmara. No melhor estilo brega-chique, o filme ainda deixa uma sensação amarga ao fim, pois antes de tudo Silmara quer ser feliz, mas em sua condição ela vai precisar lutar muito para alcançar esse sonho.
Rafael, o seu resumo de “Glória ao Cineasta” é, enfim, o primeiro que li sendo negativo desde o recente lançamento do longa em nosso país. Eu tenho “Falsa Loura” no DVD, mas acabei perdendo o interesse em assisti-lo depois de não ter conseguido vê-lo na tela grande no dia do Projeta Brasil no ano passado. Ainda assim, tenho interesse pelo amplo cinema de Carlos Reichenbach. Um dia pego alguns de seus filmes para conferir.
Abraços!
Também preciso conhecer o cinema do Reichenbach. Aqui na minha cidade já vi para alugar Garotas do ABC e Bens Confiscados, mas o que mais quero assistir é mesmo Falsa Loura.
Participa na sondagem “Melhor James Bond com Pierce Brosnan” até ao dia 20 de Abril 2009, em http://additionalcamera.blogspot.com. Só faltam 16 dias!!
Vi Garotas do ABC há anos, jurando que ia ser meio que como Domésticas (divertido, boa atuação): em nada se parecem
Alex, já eu não vi nenhum texto elogioso sobre o filme do Kitano. E seria interessante para você assistir a Garotas do ABC antes do Falsa Loura, mesmo que esse último seja melhor. É uma forma de se familiarizar com a obra do Reichenbach.
Wallace, sou louco para ver Bens Confiscados, mas não encontro nem para locar. E vale a pena descobrir a filmografia do Reichenbach.
Beleza Filipe.
Iulo, realmente Garotas do ABC não chegue aos pés de domésticas. E veja Falsa Loura quando tiver oportunidade, acredito que vá gostar.