Dir: Byambasuren Davaa e Luigi Falorni
No Deserto de Gobi, no sul da Mongólia, uma família rural de pastores de cabras e camelos vive no meio do nada, quase à parte do resto do mundo. É época dos camelos darem cria e para surpresa geral um deles dá luz a um filhote de pelo branco, diferente da coloração escura da mãe, passando a ser rejeitado por ela. É esse o conflito. Impressiona muito nesse documentário o fato de não haver nenhuma entrevista ou mesmo narração em off. A história é contada por si só, sem interferências diretas, e o mais incrível é que possui uma grande força narrativa. O filme aposta na curiosidade do espectador para seguir acompanhando aqueles personagens, seu modo de vida, e principalmente os rumos do camelo renegado. Mais do que a história de um animal rejeitado, o filme é sobre um povo rejeitado, uma família pobre à margem da sociedade e excluída da dita “civilização”. O choque entre gerações é sentido no garotinho que deseja ter uma TV em casa, em detrimento do costume familiar das histórias orais. Os planos estáticos da câmera priorizam uma fotografia belíssima tendo o Deserto de Gobi como cenário. Mais belo ainda é o momento final quando um músico usa de sua arte para tentar reconciliar os camelos. Uma grata e grande surpresa.
Sinédoque, Nova York (Synecdoche, New York, EUA, 2008)
Dir: Charlie Kaufman
Charlie Kaufman tem boas idéias e, quando bem dirigidas, rendem grandes filmes (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich). Uma pena que sua estreia na direção possua um ar intelectualoide de obra complexa que torna tudo muito pretensioso e pouco agradável para o espectador (embora parece que o próprio Kaufman se divertiu muito fazendo o filme). A narrativa evoca “complexidade” porque respeita os caminhos da psicologia confusa de Caden, um dramaturgo (Philip Seymour Hoffman) atormentado pelos rumos incertos de sua vida pessoal/profissional, algo que começa a incomodar quando sua esposa resolve deixá-lo levando embora sua filha pequena. A partir daí ele decide montar uma peça autobiográfica que nunca é encenada, somente ensaiada à exaustão. Daí a sinédoque do título, termo que designa a substituição de um termo por outro equivalente; e a cidade de Nova Iorque, replicada num estúdio, passa a representar o mundo em construção de Caden.
O maior problema do filme está em querer ser definitivo sobre temas universais como a morte, amor, velhice, etc. Mesmo assim, há de se considerar momentos brilhantes no filme (o surgimento dos sósias e dos sósias dos sósias, por exemplo), e toda sua estrutura de elipses que saltam anos no tempo sem o menor aviso. O mais incrível é como uma obra tão falha possa contar com um elenco tão excepcional, de uma singela Samantha Morton às afiadas Emily Watson e Dianne Wiest. Existe também uma singeleza na forma como o filme termina, embora pareça diagnosticar o caráter de lição de moral ao mostrar como a vida de alguém é o conjunto de sua vivência com todos ao redor, ou algo assim. Com um diretor mais pé no chão, a história conseguiria ser mais objetiva.
Eu já havia comentado no seu comentário lá no meu blog sobre o filme do Kaufman. Eu acho a direção dele correta. Acho que o filme pode soar intelectualóide porque mexe metalinguisticamente com estruturas narrativas. Por isso as referências a Proust ou Beckett, por isso o tom mais carregado. Ainda assim, acho um filme lúdico, brilhante.
Abs!
Não assisti a nenhum dos dois filmes, mas quero vê-los. Apesar de ter um pouco de medo desse “Sinédoque, Nova York”. rsrsrsrsrsrsrssrsrsrsrsrsrsrs
“Camelos Também Choram” é um filme que já me tocou somente pelo trailer, embora eu ainda não o tenha visto. E embora o elenco de “Sinédoque, Nova York” seja show de bola, também sinto que essa história não tenha sido processada ao público de forma objetiva, julgando pela descrição dada a premissa.
O que acontece é que Charlie Kaufman é um roteirista muito bom, mas de idéias malucas, que para funcionar, precisa de alguém pé-no-chão, que faça um equilíbrio com suas excentricidades e torne suas histórias algo mais digestível ao grande público. Talvez por isso ele dirigir um roteiro próprio possa gerar um produto meio confuso…
Eu vi sim essa resposta, Dudu. E que bom que você conseguiu gostar do filme, mas ainda me parece bem intelectualóide. E é mesmo bem lúdico, mas parece que ele fez um filme para si próprio, sem vontade de dialogar com o público.
Tenha medo mesmo Kamila, é um filme bem esquisito. E Camelos Também Choram pode ser uma grata surpresa.
De fato Alex, é um filme tocante e sem apelar para um sentimentalismo simplista. Já Sinédoque, acho que por ser tão pessoal, não dialoga muito bem com o público.
Concordo plenamente, Fred. Kaufman parece ter ideias bem bizarras, mas elas precisam ser bem trabalhadas, porque senão fica só no campo do “olha que coisa estranha eu fiz! É louco, mas eu gosto assim mesmo”. Nem sempre isso funciona!
Concordo em parte com a sua resenha do filme do Kaufman. O q me incomodou nao foi o tom intelectualoide do filme, mas a minha falta de interesse na historia. O filme pode ter as qualidades q tiver, mas isso nao o torna mais interessante que outra obra mais “pe no chao”. Se nao fosse o elenco, teria sido um tedio assistir a essa viagem do diretor.
Essa coisa da falta de interesse também me pegou na história, Romeika. O Kaufman dessa vez parece que fez um filme só pra ele mesmo. Me soou por demais pretensioso!
"Camelos também choram" foi um dos mais belos documentários que já assisti. Tive a impressão de que o camelinho branco foi rejeitado não pela cor, mas pelo fato do parto ter sido muito demorado.
Tendo sofrido muito, a mãe estava sob estresse e não fez vínculo com o filhote. Como se fosse uma depressão pos-parto. A música e a cantoria serviram para relaxar, acalmar a mãe tensa e permitir a aproximação do pequenino.
Realmente Regina, é belíssimo. Também não acredito que exista preconceito racial entre os camelos, é mais uma questão de natureza mesmo, a mãe acabou rejeitando o filhote. E essa cena da música é sensacional!!