Da vileza e outras humanidades

O Lobo Atrás da
Porta

(Idem, Brasil, 2013)
Dir:
Fernando Coimbra

Mãe vai
buscar a filhinha pequena no colégio. Chega lá e descobre que uma estranha
levou a menina e ninguém sabe o paradeiro delas. Corte para a delegacia onde ela
e a professora dão seus depoimentos. Isso acontece nos primeiros minutos de O Lobo Atrás da Porta, um dos flertes
mais bem-sucedidos com o filme policial no cinema brasileiro recente, desde já um
dos grandes filmes do ano.
Em pouquíssimos
instantes, o espectador é lançado na trama policial que está em jogo no cerne dessa
história de crueldade. Não deixa de ser uma escolha das mais corajosas porque se
o conflito central é revelado logo de cara, é preciso apresentar outros
elementos para que a narrativa siga prendendo a atenção. É justo isso que o longa consegue, residindo aí um de seus
trunfos.
Entra em
cena o pai da menina (Milhem Cortaz) e, especialmente, Rosa (Leandra Leal),
amante dele e principal suspeita pelo sequestro. As versões de cada um vão
sendo postas à mesa, assim como o desdobrar do relacionamento conturbado entre
os dois. Dessa forma, os elementos do filme noir
e da investigação policial vão se desenrolando, à medida que o espectador monta
o pequeno quebra-cabeças (com direito a pistas falsas pelo caminho).
Para um
longa-metragem de estreia, Fernando Coimbra demonstra uma maturidade invejável
na maneira como alinha essa narrativa de vários pontos de vista. A preferência constante
pelos planos longos é trabalhada de forma muito cuidadosa, sem exibicionismos.
É uma maneira de valorizar os grandes atores que ele tem em cena, todos trabalhando
num registro muito natural de encenação e, por isso mesmo, muito crível, orgânico.
Juliano
Cazarré faz as vezes de um delegado muito brasileiro na maneira de conduzir as
investigações, apertando a todos com seu jeitão duro. Fabiula Nascimento é toda
sofrimento como a mãe, mas sem histeria. Até a participação cômica/exaltada de Thalita Carauta é impagável. Porém, Leandra Leal é o destaque indiscutível
porque sua personagem, aos poucos, revela o desequilíbrio emocional dessa jovem
apaixonada e mesmo inconsequente. A atriz sustenta maravilhosamente bem a
persona complexa de Rosa, e no seu olhar é possível ler uma série de percepções,
que vão da dissimulação à humilhação.
Outro
trunfo do filme é não conferir exagerado destaque ao desfecho da trama (apesar
da resolução do sequestro ser a grande questão aqui). Prefere observar como os atos de crueldade
brotam das pessoas que menos imaginamos capaz disso. A história policialesca
torna-se, portanto, investigação introspectiva da gênese do mal, passível de
nascer em qualquer um. 

Há outra
escolha curiosa no filme: apesar de ser baseado num fato real que aconteceu no
Rio de Janeiro na década de 1960, nunca se utiliza isso como fator de
credibilidade inerente à história (via abominável letreiro inicial que muitos
filmes do tipo fazem questão de estampar). Pelo contrário, confia muito mais na
sua narrativa e nas possíveis adequações feitas à trama. O Lobo Atrás da Porta é uma peça rara na filmografia brasileira atual porque, ao adentrar num cinema de gênero tão pouco explorado no Brasil,
apresenta um apuro estético em seu conjunto e ainda investiga, de perto, o fator humano da
crueldade.

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