Estômago 2 – O Poderoso Chef / Entrevista com Marcos Jorge e Nicola Siri

Máfia com tempero brasileiro*

O cinema brasileiro popular também entrou na onda de investir em continuação de filmes que tiveram boas bilheterias no passado. A série Cidade de Deus: A Luta Não Para acabou de estrear no streaming da HBO, continuação do filme icônico de Fernando Meireles. Até o final do ano será lançado a continuação de O Auto da Compadecida, assim como também já foi confirmada uma sequência de Bruna Surfistinha.

Mas a continuação do momento, já em cartaz nos cinemas brasileiros, é Estômago 2 – O Poderoso Chef, dando continuidade às peripécias de Raimundo Nonato (João Miguel) na cadeia. O primeiro filme estreou em 2008 e mesmo sendo uma produção pequena conquistou o público. Mas o diretor Marcos Jorge não pensou em fazer uma continuação na época.

“A ideia de fazer o segundo aconteceu quase 10 anos depois. A pressão dos fãs foi tão grande que a gente decidiu encarar esse projeto. O filme foi virando cada vez mais um cult e foi reencontrando seus novos públicos. Depois que foi para o streaming, teve uma explosão de gente jovem que curtia o filme. Daí surgiram muitos pedidos para uma continuação”, afirmou o cineasta em conversa com A Tarde.

Ainda segundo o diretor, assim que ele escreveu o argumento do novo filme, enviou-o para João Miguel a fim de que ele pudesse retornar ao papel do imigrante nordestino, talentoso cozinheiro sem estudos formais, que chega na cidade grande em busca de oportunidades. Quem está de volta também é Paulo Miklos, que vive o bandido Etecétera e se torna o grande chefão na cadeia, até a chegada de Don Caroglio (Nicola Siri).

Mais de 15 anos depois de lançamento do primeiro filme, Estômago 2 estreou na competição do Festival de Gramado, de onde saiu premiadíssimo. Escolhido como melhor filme pelo júri popular, ainda conquistou os prêmios de Roteiro, Direção de Arte, Trilha Sonora e Melhor Ator (dividido entre João Miguel e Nicola Siri).

Dois tempos

Siri, aliás, ator nascido na Itália, de mãe brasileira, é a grande novidade do longa. Ele já é bem conhecido do público brasileiro, seja pelas novelas (Mulheres Apaixonadas, Belíssima) ou por outros filmes que fez no Brasil (Meu País, O Traidor). Agora, ele ganha papel de protagonista, pois é a trama de seu personagem que guia o filme.

“A experiência foi fantástica. Foi ótimo entrar em um filme que já vem de um sucesso anterior. Meu trabalho foi de se encaixar bem nesse personagem dentro de um filme em que você tinha exemplos bem nítidos. E eu vou dizer sempre, esse é o personagem da minha vida. Acredito que enfim vão esquecer o Padre Pedro e lembrar do Dom Caroglio”, confidenciou o ator.

Estômago 2, espertamente, repete a estrutura narrativa do primeiro filme, que acompanhava o protagonista em dois momentos distintos (dentro e fora da cadeia), gerando a curiosidade no público sobre como o personagem acabou sendo preso. O mesmo se dá aqui. Roberto é um ator italiano, filho de uma cozinheira brasileira que possui um restaurante no sul da Itália.

Sem dinheiro, ele acaba indo trabalhar no estabelecimento da mãe e se envolve com uma poderosa família mafiosa da região. Paralelamente, vemos o mesmo ator interpretar Dom Caroglio na sua chegada à prisão onde Nonato está encarcerado, já comandando a cozinha do lugar, o que garante respeito dele por todas as autoridades ali, seja o veterano dos presidiários e até mesmo o diretor da cadeia.

Assim como acontecia no primeiro filme, queremos saber como essas duas pontas da trama vão se encontrar; ou mesmo se os dois personagens não passam de pessoas distintas, irmãos talvez. De qualquer forma, Estômago II recria os ambiente das cozinhas (tanto do restaurante ou da cadeia) como espaços de hierarquia e poder, fazendo da (boa) comida uma arma importante para conquistar paladares e posições de chefia.

Além de estreitar a relação e as referências com a rica culinária italiana, sempre em contraposição com a comida brasileira, o filme também pega emprestado da Itália todo um clima de história de máfia, promovendo uma mistura entre comédia e filme policial. A produção maior ajuda a dar corpo a essa dinâmica mais complexa e também perigosa que ronda os personagens.

Ambiguidades

Conversando com o diretor sobre a dualidade que existe nesses personagens criminosos, ele defendeu a humanidade que existe neles. “Quem falava isso de forma muito clara era o Sergio Leone sobre seus personagens. São sempre bandidos, criminosos, mas extremamente carismáticos. Ele chamava atores com carisma para esses papéis. Não é que ele quisesse que as pessoas amassem os bandidos, mas que tivessem empatia com eles. Porque isso é cinema. Cinema é ver a vida dos outros para entender melhor o mundo”, declarou.

Tais ambiguidades cercam portanto os personagens de ambos os filmes, ganhando dimensões mais amplas aqui. E é impressionante como João Miguel continua carismático como Nonato, mesmo quando precisa assumir uma postura mais durona que ele aprendeu a ter nos anos de cadeia. O ator parece não ter envelhecido nada, como se tivesse filmado essa continuação um ano depois.

É por isso que Estômago 2 perde um pouco de força na comparação com o primeiro filme, já que Nonato deixa de ser o personagem principal e funciona apenas como elo que interliga os demais na prisão, tendo de lidar com as muitas tensões e disputas de vários lados e que em algum momento vão estourar ali dentro.

Ainda que seja interessante acompanhar a transformações do personagem de Siri, Estômago 2 é um filme menos cômico e mais sério, o que não deixa de ser uma aposta num cinema de gênero tão pouco explorado no Brasil, mas ainda assim de grande apelo popular.

Estômago 2 – O Poderoso Chef (Brasil/Itália, 2024)
Direção: Marcos Jorge
Roteiro: Marcos Jorge, Bernardo Rennó e Lusa Silvestre

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 01/09/2024)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Arquivos