Vem do Amazonas o quarto longa-metragem em competição neste Festival de Brasília. Enquanto o Céu Não Me Espera, da cineasta Christina Garcia, nos apresenta, antes de mais nada, uma geografia inóspita a olhos menos treinados àquela realidade. No interior do Estado, remoto e pobre, quase abandonado, uma família sobrevive em uma região de igarapés, isolada no meio do mato e cercada por um rio que não para de subir.
Vicente (Irandhir Santos) e Rita (Priscilla Vilela) trabalham uma espécie de agricultura de subsistência, vivendo do plantio e colheita da juta, planta da qual se extrai uma fibra têxtil vegetal. Recebem ajuda aqui e ali, mas sua antiga vizinhança minguou no últimos tempos. Quase todos foram tentar a vida nas cidades grandes, enquanto os dois, junto com seus três filhos, insistem em permanecer no local. A obsessão por ficar, na verdade, pertence mais a Vicente, já que aquele pedaço de território (não dá pra falar em terra, artigo raro ali), um casebre em meio às águas cada vez mais volumosas, pertencia a seus pais.
A necessidade de “aterramento” a partir das demandas familiares e identitárias vem sendo recorrente nos longas em competição do festival, e o filme amazonense envereda por esse caminho muito através de um sentido de resistência e persistência, não apenas pelas circunstâncias duras do trabalho, de que todos na família participam, até os filhos mais jovens – a família é ainda explorada por um poderoso local, a quem devem pagar uma espécie de tributo com parte daquilo que produzem, tal qual um sistema de vassalagem –, mas sobretudo pelas intempéries implacáveis da Natureza.
A água não cessa de chegar, chove constantemente e o rio sobe cada vez mais, alagando a própria casa e escasseando a matéria-prima de subsistência, principal fonte de renda da família. Enquanto o Céu Não Me Espera é hábil em compor essa paisagem quase apocalíptica e desoladora. No entanto, o filme tem dificuldade em avançar nos conflitos para além do registro inóspito e peculiar que aflige aqueles personagens, isolados no tempo e no espaço. Prefere explorar apenas o sentimento de desolação que vai desestruturando o núcleo familiar até encontrar seu limite.
Enquanto Vicente representa o lado durão e resiliente do chefe de família, senão confortável ali, ao menos o que parece melhor se adaptar às circunstâncias do ambiente – ele, mais que os demais, é quase um homem-anfíbio a viver em simbiose entre a água e o ar, adaptando-se como pode –, Rita tenta ser a voz da razão, tendo de dar conta dos imprevistos e situações que acometem cada um ali. É ela quem mais sofre com a desgraça que se abate na família, o que provoca uma ruptura violenta no lar – e que lança luz sobre a atuação das instituições religiosas como outro vetor social presente naquele ambiente, embora o filme não se detenha muito sobre isso.
Enquanto o Céu Não Me Espera segue um fluxo narrativo de tragédia anunciada e o filme parece preso – tal qual aqueles personagens – ao sabor das mazelas. Faz disso mais um propósito do que uma circunstância de lógica narrativa sequenciada. Além de elevar o tom dramático em momentos pontuais, torna-os isolados como forma de alcançar esses momentos catárticos para impressionar o espectador. Numa dessas cenas, Vicente, enquanto colhe a juta, pisa em algo e fere o pé, afundando em meio à lama e às fibras que se espalham no chão, afogando-se e tentando submergir para respirar, mas preso às juta, o que causa uma situação de desespero e tensão.
No entanto, ele estava acompanhado do filho mais velho, que não faz nada para ajudá-lo, assim como é difícil imaginar que, com sua experiência, ele estaria tão em apuros assim; enquanto isso, a câmera do filme fecha no seu rosto para captar a expressão de alguém que batalha para sobreviver. É esse tipo de estratégia narrativa que faz Enquanto o Céu Não Me Espera pesar a mão e querer parecer mais intenso do que toda aquela situação já demonstra ser.
Enquanto o Céu Não Me Espera (Brasil, 2024)
Direção: Christiane Garcia
Roteiro: Christiane Garcia