Até demora um tempo para que essas personagens se encontrem na trama linear do filme, tempo aproveitado para se construir na tela um espírito de convivência interiorana, além de apresentar outros personagens, como o médico Ivan (Babu Santana) que vive com um companheiro mais velho que ele (Antônio Fábio); e também a extrovertida Cidão (Arlete Dias), um dos alívios cômicos do filme. Mas é quando Violeta e Margarida se encontram, por acaso, e descobrem que a mais nova foi aluna de Margarida no colégio, o filme ganha outra cadência. Violeta enxerga na dor do luto de Margarida uma barreira a ser quebrada, um modo de libertação necessário, tarefa que ela toma para si com afinco. Nasce uma amizade e com ela uma celebração da vida, com todos os seus percalços.
É muito curioso olhar para um filme de pequeno porte como esse, em termos de produção, que chega à mostra competitiva do Festival de Brasília apostando no risco da entrega a uma história que vende afetuosidade, mais do que tudo. Há pontos de fragilidade visíveis na narrativa: os diálogos por vezes marcados demais, tangenciando certo suingue caricato da prosódia baiana, e que se escoram em falas comuns ou marcadas de ingenuidade – o diálogo sobre o cinema ou o “brinde à vida”.
O filme ganhou outro respiro no Festival de Brasília por conta das discussões sobre a representação de personagens negros e escravos, especialmente pelo filme Vazante, de Daniela Thomas, apresentado dias antes e que desceu muito mal com um tipo de abordagem ainda datada sobre corpos negros expostos em cena. Café com Canela, por outro lado, oferece uma resposta muito imediata e direta e aponta para um tipo de tratamento outro, através de uma subjetividade rica de personagens costumeiramente relegados a uma posição secundária nos filmes.
A diretora Glenda Nicácio já havia antecipado essas questões na apresentação quando disso que o filme falava de “personagens urgentes, carregando consigo vozes ancestrais que ainda aguardam seu momento de falar. Ou melhor, aguardava, porque agora é hora”. E o que se vê em tela é a potencialidade de sujeitos e histórias há muito marginalizados no processo de constituição do cinema brasileiro. É o cinema do Recôncavo baiano pulsando e apontando para caminhos diversos, de contestação via afetos, ainda que o filme bambeie sobre suas próprias limitações, mas equilibrando suas forças de mobilização.