Festival de Brasília – Parte V

Big Jato (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Cláudio Assis

 

O furacão Cláudio Assis passou e deixou rastro no Festival de Brasília. Não só porque ganhou o prêmio principal e vários outros importantes, mas pelas polêmicas que continua colecionando desde muito tempo, mais pela sua persona em si do que pelo filme. Até porque Big Jato é certamente um dos trabalhos mais ternos do cineasta, ainda que se façam presentes lá a dureza da vida no sertão, o patriarcalismo que atravessa a tradição, a força dos homens e mulheres do interior sertanejo.

É possível mesmo pensar numa certa mudança de curso na obra do cineasta, começando com um filme de maior embate social como Amarelo Manga e, principalmente, com o barra pesada Baixio das Bestas. Seu trabalho anterior, A Febre do Rato, já carregava um tom mais carinhoso, pegando a veia da poesia como fio de condução, mas ainda com um traço do sombrio na figura de um poeta maldito como protagonista.

Pois agora nesse novo trabalho a poesia persegue seu protagonista, o jovem Francisco (Francisco de Assis Moraes), mas num filme muito mais solar e com pontas de esperanças. Big Jato é adaptado do livro homônimo do cronista e romancista Xico Sá. O ambiente é o sertão pernambucano onde o garoto acompanha o pai em um ofício ingrato: limpar as fossas das casas com o caminhão tanque apelidado de Big Jato.

O tema da sujeira e podridão do mundo já aparecia em outros filmes de Assis, como em Baixio das Bestas, representante de um cinema mais agressivo que ele gosta de fazer. Mas o tom de Big Jato é bem mais ameno, um filme de rito de passagem quando o jovem precisa confrontar-se com a dureza e as desilusões do mundo. Sonha em ser poeta, sofre de amores não correspondidos pela bela Ana Paula (Pally Siqueira) e vive em constante briga com os irmãos mais velhos. Mas é o único que ainda tem estômago e acompanha o pai no trabalho fétido.

Matheus Nachtergaele interpreta não só o pai de Chico, um sujeito rude e machista, como também o tio dele, irmão gêmeo do pai do garoto, um radialista que o incentiva a se enveredar pelo caminho das letras. São dois polos equidistantes de uma mesma persona masculina, a formação do homem que Francisco vai ser. Marcélia Cartaxo interpreta a mãe do garoto, cansada e desiludida por aquela vida regrada, tendo de aguentar a personalidade arredia do marido bêbado.

Big Jato não deixa de passear pelos lugares-comuns do filme de sertanejo e seus tipos conhecidos. Sai-se bem quando acrescenta a eles o toque do escatológico como algo inerente à condição humana e pela qual aquela família sobrevive – no fundo é esta a originalidade da obra de Xico Sá. Mas escorrega em muitos momentos quando se contenta em criar um universo já tantas vezes visitado. As cenas de explosão dos personagens, pai e mãe principalmente, são bem característicos de um conflito familiar visto pela ótica do jovem em momento de formação.

Mas há de se dizer também que o filme apresenta um bem-vindo traço de humor e devaneio, seja na história do grupo musical Os Betos – que seriam os precursores e maiores inspiradores
para Os Beatles –, seja na figura do poeta-louco-visionário incorporado pelo cantor Jards Macalé. Big Jato, nessa sua movimentação por um universo de riquezas, sonhos e empecilhos de um mundo juvenil em transfiguração, soa irregular e nem sempre eficaz narrativamente, perseguindo caminhos pouco instigantes, mas não deixa de ser um belo ensaio de Cláudio Assis por um novo terreno de novidades poéticas, sem deixar de apontar para toda a merda que sai e é feita pelo homem.

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