Festival do Rio – parte III

Mundo Cão (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Marcos Jorge


Já em Estômago, seu primeiro longa-metragem, o diretor Marcos Jorge se propunha a fazer algo que fosse atrativo para o grande público e interessante do ponto de vista narrativo – coisa um tanto rara na produção nacional recente. Talvez por isso a expectativa para Mundo Cão fosse de algo próximo a isso, mas acaba sendo um filme de história sem muita inspiração.

Existe um começo ameno, apresentando um Lázaro Ramos como vilão caricato – tipo durão, chefe de uma rede de apostas, criador de cães de grande porte com os quais faz medo nas pessoas que lhe devem dinheiro. O filme tensiona um conflito quando faz o personagem se bater de frente com Santana (Babu Santana), que trabalha na rede de zoonoses da cidade, capturando animais de rua perigosos. Tem o azar de pegar e sacrificar justamente um dos pitbulls do chefão.

Mundo Cão investe na história de perseguição, repleta de reviravoltas, uma espécie de conto moral sobre a vingança, com desdobramentos trágicos para todos os envolvidos. Mas há tantas pequenas fragilidades no roteiro, tanto nos vários desdobramentos quanto nas motivações dos personagens, que enfraquece demais o todo.

 

Transtorno (Disorder, França, 2015)
Dir: Alice Winocour

Soldado que volta transtornado da guerra e precisa colocar a vida nos eixos; usa doses potentes de remédio, tenta conseguir um subemprego e ainda sofre certas alucinações, fruto de um psicológico compreensivelmente abalado. Começa a trabalhar como segurança na casa de gente muito rica, o marido esconde também segredos nos negócios.

Transtorno apresenta esse tipo clichê de personagem e parece caminhar para uma história comum. No entanto, sabe surpreender muito bem quando o que parecia ser somente coisa da mente perturbada dele ganha cores concretas. O versátil ator Matthias Schoenaerts empresta seu porte a esse homem devastado, querendo sair do limbo em que se encontra, mas ainda assim embrutecido pelas circunstâncias.

O filme lida de forma muito madura com a aproximação que vai surgindo entre ele e Jessie (Diane Krueger), a esposa do patrão que ele precisa proteger, especialmente a partir do momento em que a vida dela e do filho pequeno corre perigo. Transtorno caminha pela linha tênue do lugar-comum, quase escorregando nela, mas sabendo muito bem quando é crível se aproveitar disso.

 

Mon Roi, (Idem, França, 2015)
Dir: Maïwenn


Se havia alguma dúvida, a cena final de Mon Roi explica muito bem o que é esse filme: a história de uma mulher apaixonada por um babaca. A atriz e cineasta Maïwenn conta uma história de amor louco, não pela quebra de paradigmas sociais ou coisa parecida, mas pela forma avassaladora com que essa paixão entra na vida de Tony (Emmanuelle Bercot), mulher de meia idade que não acredita muito bem que o esperto conquistador George (Vincent Cassel) está dando em cima dela.

Os dois vivem um relacionamento tumultuado, que começa com muita gargalhada e diversão, mas não demora muito para que farpas sejam trocadas. Brigas e gritos dividem espaço com risadas e sexo, e será assim durante todo o filme. É o típico casal tapas e beijos.

Mas a história se torna maçante quando o filme passa a girar ao redor dessa estrutura de altos e baixos, acompanhando brigas e reconciliações durante dez anos de relacionamento. Há uma mão pesada também ao construir esses personagens com certo traço de excentricidade, o que torna tudo muita vezes gritado, exagerado, como se os atores se esforçassem para se destacar, acompanhados de uma câmera na mão trêmula para aumentar o desconforto. O filme até consegue estabelecer um ritmo ágil com a montagem, mas a história avança sem sair muito do lugar, abusando desses “tiques” do cinema contemporâneo.

Há quem diga que exista um traço de misoginia no filme, algo que fica realmente latente em alguns momentos em que Tony se revela essa mulher, ainda que independente, completamente encantada por esse homem um tanto mais oportunista do que companheiro. O filme escolhe não tomar partido e não julgar seus personagens, mas observá-los em sua trajetória autodestrutiva – e talvez seja frustrante justamente por colocar uma personagem feminina numa situação desconfortável de vulnerabilidade.

A narrativa é construída também em dois tempos: entrelaça os desdobramentos da vida do casal com o futuro da personagem numa clínica de reabilitação depois de um acidente grave que a deixou deficiente no movimento das pernas. Ali o filme expõe a solidão da mulher e a ausência do homem que ela tanto adorou, o rei dos canalhas.

 

Longe Deste Insensato Mundo (Far from
the Madding Crowd, Estados Unidos/Reino Unido, 2014)
Dir: Thomas Vinterberg


Depois de fazer filmes mais fortes e intensos, como o ótimo A Caça e Submarino, Vinterberg se embrenha agora pela seara do melodrama. Tinha tudo para fazer um filme digno do gênero, de posse de atores ótimos e com bom nível de produção. Mas esbarra num roteiro frágil, com diálogos fracos, abusando das saídas fáceis que se apresentam aos personagens quando estão em situação difícil.

Carey Mulligan convence muito bem no papel de uma mocinha do campo, na Inglaterra vitoriana, independente e cheia de vitalidade ao cuidar com afinco da fazenda que herdou da família. Mas o que se põe em questão aqui é a necessidade do matrimônio, desejo que ela não esconde na sua busca pelo pretendente ideal.

Há o guardador de ovelhas (vivido por Matthias Schoenaerts) que se apaixona pela moça ainda quando ela tinha poucos recursos, mas o romance não vai pra frente, embora ele continue perto da mulher, trabalhando para ela. Ele presencia também a chegada de outros pretendentes, mais nobres, ainda que com seus desajustes. Vinterberg constrói esse emaranhado de possibilidades amorosas através de uma encenação bem ao estilo clássico, privilegiando a história. Uma pena que esta seja mais do mesmo, sem grande força e por vezes arrastada.

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