Entre os Muros da Escola, Palma de Ouro do último Festival de Cannes, funciona não só como demonstração das deficiências e dificuldades do sistema educacional como também ao apresentar um microcosmo da França atual e seus conflito étnicos e sociais. Mas o melhor é que ele não se apoia no clichê do professor disposto a modificar a vida de seus alunos. O filme tem os dois pés no chão e a consciência de não ter que encontrar uma solução para o problema.
Numa escola de Ensino Fundamental localizada num bairro periférico de Paris, acompanhamos o retorno de François, professor de Francês, para o próximo ano letivo. O ator interpreta ele mesmo pois o filme é adaptado do livro escrito pelo próprio professor baseado em suas experiências na sala de aula. Logo de início, chama a atenção na turma o caráter multiétnico dos alunos da 8º série com quem ele terá maiores problemas.
Dos asiáticos aos de origem árabe e pele negra, a sala de aula acaba se tornando um reflexo da atual sociedade francesa e seu conflito com povos imigrantes. Os alunos pertencem a uma classe social menos privilegiada, criando assim um conflito contra o professor branco que tenta impor seus conceitos e autoridade aos alunos.
Numa cena emblemática, uma estudante negra chamada Khoumba questiona o professor do porquê dele só utilizar nomes “esquisitos” de pessoas para exemplificar as frases (no caso em questão, “Bill”), e não nomes como “Ahmed” ou “Rachid” (claramente árabes). Nota-se aí a pouca valorização do aluno que possui suas características culturais próprias, mas precisa sempre absorver o conhecimento que é selecionado pelo mais “importante”, herança clara do imperialismo francês.
Além disso, há a intransigência e desrespeito por parte dos alunos que teimam em tratar a escola como um sacrifício a que são submetidos. Por outro lado, os professores não estão isentos de culpa pois parecem inferiorizar seus alunos; não estão preparados e motivados para lidar com a questão (no filme, isso aparece de forma bem sutil). Não há então um culpado, mas uma série de deficiências provenientes de vários pontos distintos que problematizam o real valor da educação.
Por tudo isso, a direção de Laurent Cantet é exemplar em seu interesse por levantar essas discussões tão habilmente. A narrativa do filme é tão orgânica que a câmera na mão parece uma intrusa no registrar do cotidiano da sala de aula. O filme não possui grandes requintes estéticos, apenas documenta toda aquela situação. Um tema aparentemente batido, passa a soar urgente, realista e mesmo pessimista.
Ao fim, o filme não quer impor nenhum tipo de lição moral. É apenas um retrato naturalista do tema proposto, deixando para o espectador as prováveis conclusões. Até porque é difícil sair do filme indiferente. As semelhanças com o sistema educacional brasileiro não são, com certeza, mera coincidência.
Filmaço! E ainda teve gente reclamando do desfecho, com a sala de aula vazia! Tem um povo que tem preguiça de pensar por si mesmo…
Abs!
Uma obra prima que retrata o confronto geracional, o confronto racial, o confronto sexual e até o civizacional que se vive no mundo actual, de uma forma nua e crua. A abordagem situa-se no documentário de contornos dramáticos. Um bom filme para ser analisado por todos aqueles que têm um papel interventivo na educação dos nossos jovens. Recomendo!
É um filme assombroso! Difícil, especialmente para quem compartilha com o protagonista a profissão de professor, não se identificar.
Excelente filme … Merecia o OSCAR!
De fato Dudu, muita gente não sabe reconhecer em fimes como esse um alto teor de reflexão. Mas falando de final, acho incrível quando aquela menina diz ao professor que não aprendeu nada.
Filipe, interessante quando você fala dessa questão do “documentário de contornos dramáticos” porque o filme se situa num entre-meio desses dois gêneros de forma brilhante.
Então Wallace, eu não dou aulas em escola, mas ensino num reforço escolar e minha identificação foi imediata. A realidade do nosso ensino não está distante daquilo visto no filme, não.
Mas Cléber, pra quem já tem uma Palma de Ouro, de que vale um mísero Oscar?