Vício Frenético (Bad Lieutenant, EUA, 1992)
Dir: Abel Ferrara
Abel Ferrara faz parte do grupo de grandes cineastas undergroud dos EUA (diga se não é, Jim Jarmusch?). Seus filmes, à primeira vista, podem parecer grandes observações de personagens ou situações, quase como crônicas da vida urbana. Mas esse Vício Frenético evolui de uma situação paradoxal (policial corrupto, viciado em drogas e apostas) para um dilema moral que põe em cheque as convicções do próprio protagonista. O impasse começa quando o tenente vivido por Harvey Keitel precisa encontrar os jovens que estupraram violentamente uma freira.
A questão religiosa parece ser uma constante nos filmes do diretor (vide o belo Maria), e surge aqui através do perdão (tema tão caro à Igreja Católica). O personagem irá se enxergar nos próprios criminosos que a freira irá perdoar pelo crime que lhe infringiram. Perturbado, ele busca uma explicação para tal ato e também uma forma de redenção, a seu próprio modo, sem deixar de ser o personagem torpe que é. Harvey Keitel, por sua vez, é o grande dono do filme, numa atuação absurda e potente de um homem consumido pelo próprio vício. A cena na igreja, com a aparição de Cristo, é de uma intensidade única. Nunca pensei que iria chorar por um personagem assim.
Vício Frenético (Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans, EUA, 2009)
Dir: Werner Herzog
Se os conflitos religiosos não pertencem ao universo de Herzog, a decisão mais acertada foi aproximar o filme de seu tema mais caro: o conflito do homem versus a natureza. Aqui, ganha contornos de compulsão na figura do tenente que se envolve cada vez mais em problemas profissionais, familiares e ainda nas enrascadas que sua namorada, prostituta de luxo, arruma junto a criminosos. Apesar disso, as drogas são o conforto de Terence McDonagh (Nicolas Cage), um vício que ele cultiva como hobby.
Interessante notar que Herzog adota um tom diferenciado nesse prjeto. O que no anterior estava mais próximo de um dilema moral que perturba seu protagonista, aqui o personagem parece não ter noção da gravidade das enrascadas em que se afunda. Ele, ao contrário, busca se divertir e lucrar ao máximo em todas as situações. Mais uma vez, um grande ator assume o personagem principal de forma hipnótica e eletrizante, através de um Nicolas Cage que há muito tempo nos devia uma atuação digna de nota. Há também momentos sensacionais, como a cena da colher perdida ou a da alma do bandido dançando. Insano e irresponsável, o filme é um retrato diferente e dilacerante da compulsão humana.
Embora seja evidente que se trata de versões com identidades quase opostas, ainda estou indeciso em relação da escolha de qual assistir primeiro. Acredito que seja a versão do Werner Herzog. Se eu gostar tanto quanto você, vejo na sequência o filme de Abel Ferrara.
Para mim são duas obras-primas. Gosto um pinguinho mais da versão do Ferrara, mas daria 5 estrelas pra ambas. E não sei se prefiro a atuação avassaladora do Keitel ou a genial do Cage…
Comprei o BD da versão de Herzog há algumas semanas, falta chegar; já Ferrara é um cineasta cujas obras escapam dos meus olhos, mas decerto acatarei a recomendação dessa dupla de filmes.
Alex, acho que você pode começar por qualquer um dos dois, cada qual tem seu próprio conceito. Mas veja as duas versão, independente de gostar ou não de uma delas.
Wallace, gosto mais do filme do Ferrara, e não acho que o longa do Herzog chegue a tanto. Mas os protagonistas estão no mesmo pé. Coisa incrível!
Gustavo, o Ferrara é o tipo de cineasta independente pouco difundido também. Mas vale muito a pena ver os filmes dele.