Jovens Polacas / Entrevista com Alex Levy-Heller e Esther Largman

Retratos de exploração e vergonha*

Na trajetória da imigração judaica para o Brasil há uma mancha difícil de apagar: no início do século passado, mulheres judias foram trazidas para cá com a promessa de prosperidade e uma vida confortável, longe das agruras do pós I Guerra, mas acabavam sendo prostituídas e exploradas por seus cafetões. Uma parte dessa história é contada em Jovens Polacas, filme de Alex Levy-Heller, baseado no livro de ficção da escritora e historiadora baiana Esther Largman.

Lançado em 1991, Jovens Polacas: da Miséria na Europa à Prostituição no Brasil traça os (des)caminhos dessas mulheres vítimas das promessas vazias dos chamados cáftens – termo que posteriormente daria origem à palavra “cafetão” –, rejeitadas pela própria comunidade judaica. Apesar de serem tratadas como “polacas”, elas provinham de vários países do Leste do Europeu e aqui eram tratadas como párias na sociedade.

Antes de se mudar para o Rio de Janeiro, onde mora atualmente, Esther Largman viu no jornal uma matéria sobre um grupo de cáftens que foi deportado; ao questionar o pai sobre o significado da palavra, ele lhe explicou e desde então o tema não lhe saiu da cabeça. Já no Rio, depois de formada, ela começa a pesquisa que culmina no livro, abordando algumas gerações de mulheres exploradas para a prostituição.

Em entrevista para A Tarde, tanto a escritora como o cineasta falam de certa resistência que encontraram para trazer essa história à tona – especialmente da parte de Largman no início da década de 1990. Ainda hoje o tema é um tabu dentro dos círculos judaicos, considerado uma vergonha para eles.

“Quando eu comecei esse trabalho, um casal de historiadores falou para mim: ‘não mexa nisso que isso é lodo, é sujeira’. Mas eu achava que a comunidade tem que saber essa história. É a mesma coisa de esconder os nazistas da Alemanha. Mas eu recebi, por acaso, uma grande ajuda de um rabino da Associação Religiosa Israelita, tive muito apoio dele. Eu vivia pesquisando na Biblioteca Nacional”, conta Largman.

Memórias bloqueadas

A trama de Jovens Polacas segue em dois tempos. Nos dias atuais, o pesquisador Ricardo (Emilio Orciollo Netto) investiga o caso dessas prostitutas judias, apesar de encontrar pouco material sobre o assunto. Ele acaba conhecendo uma senhora, d. Mira (Jaqueline Laurence), que foi filha de uma dessas mulheres. Curiosamente, ela não se lembra muito bem da mãe e, no processo de relatar suas lembranças infantis, ela vai desbloqueando sua própria memória.

É fácil pensar que o personagem Ricardo é uma espécie de alter-ego de Esther Largman, também ela uma pesquisadora que enfrentou as resistências da época para contar essa história. “Tudo que eu fazia [como pesquisadora] está no Ricardo”, corrobora a historiadora baiana.

A Mira criança também tem importância fundamental na trama e, de certa forma, é através de seu olhar que o filme revela um pouco do cotidiano dessas mulheres no Rio de Janeiro do início do século passado. O drama da mãe de Mira é igual ao de muitas delas: tendo de viver na miséria, explorada, maltratada e extorquida pelo seu cafetão – muitos deles eram também judeus –, ela tenta encontrar outro lar para sua filha pequena, longe das cenas de sofrimento e privação que eram obrigadas a viver em um país estrangeiro.

O diretor Alex Levy-Heller é um dos poucos diretores judeus no Brasil que buscam retratar no cinema nacional questões relacionadas a sua própria comunidade. Ainda que renegado por muitos, o caso das polacas faz parte da história da migração judaica, não só no Brasil, mas na América Latina, em especial na Argentina, que recebeu muitas mulheres judias na mesma situação. O cineasta conta que leu o livro de Largman ainda jovem e só posteriormente se interessou em adaptá-lo para o cinema, depois da aprovação da escritora.

Dor e poesia

Jovens Polacas parte de dois tipos de registros que se equilibram no filme. Ao mesmo tempo em que denuncia o sofrimento e as violências constantes que as mulheres passavam, existe um olhar terno e mesmo poético para elas. “Toda essa parte de época é retratada como fragmento da memória de uma das personagens. Ou seja, é tudo muito lúdico, abstrato, poético. É o olhar da criança dentro daquela tensão onde a mãe trabalhava”, afirma o diretor.

O filme possui cenas muito bonitas, tal como retratos de época muito estilizados. Alex conta que buscou um cuidado ao lidar com a maneira de filmar tais mulheres. “Eu não queria mostrar puramente a exploração das polacas. Elas já foram exploradas demais em vida, rejeitadas na própria comunidade judaica, estigmatizadas. Então eu sempre quis retratá-las de forma poética”, defende Alex.

O diretor conta que buscou inspiração em várias pinturas e obras de arte que retratam mulheres com delicadeza e sensibilidade. “Tem muitos quadro no filme que também são baseados em fotos reais das polacas, tiradas na época para serem vendidas como algo sensual, bonito, sempre maquiando o sofrimento”, complementa o diretor.

Se por muito tempo a comunidade judaica rejeitou essa história, tanto Alex quanto Largman afirmam que isso tem passado com o tempo. No entanto, o tabu ainda existe porque há muitos descendentes não só das mulheres como também dos cafetões por aí. Muitos desses homens enriqueceram explorando as judias e seus filhos e netos não querem falar desse assunto.

Mesmo assim, Alex acredita que grande parte da comunidade judaica apoia a discussão do tema. “Certamente este é um fato vergonhoso para nossa história. Mas a gente não pode escondê-lo. A melhor maneira de lidar com assunto é contando sobre o assunto”, arremata o diretor.

Jovens Polacas (Brasil, 2019)
Direção: Alex Levy-Heller
Roteiro: Alex Levy-Heller

*Publicado originalmente no Jornal A Tarde (edição de 29/02/2020)

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