Mostra de Tiradentes – Parte V



Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita não é um Urso que Dança (Idem, Brasil,
2016)

Dir: Thiago B. Mendonça
Grande vencedor da Mostra de Tiradentes 2016 em fins do último janeiro na cidade histórica de Minas Gerais, Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não é um Urso que Dança é uma bela carta de princípios libertários, anárquicos e de enfrentamento através da arte. O filme abriu a edição da mostra que acontece agora na capital paulista. Oportunamente, ao apresentar o filme no evento, o diretor Thiago B. Mendonça leu uma carta intitulada “Contra o fascismo”, manifesto contundente e necessário nesses tempos atuais de embates políticos nebulosos que o Brasil vive.
Essa verve militante e de tomada de posição, assumidamente esquerdista, está claramente presente na postura do filme diante do mundo, um tipo raro de projeto que abusa da performance e da arte livre para dar corpo a um discurso politizado. Mas mais que isso, o filme acaba compondo o retrato de um estilo de vida seguido por almas inquietas, ainda que sejam confrontados com frustrações, dúvidas e derrotas.
O filme acompanha uma trupe de teatro amadora e seu processo de criação e performatização de discursos que se querem anárquicos, mobilizadores. Vivem como se fizessem parte de uma experiência coletiva de entrega, criação e partilha – de seus bens, de seus corpos, de sua luta. Fazem de suas inquietações políticas e sociais matéria-prima para compor sua arte, seja ela apresentada nos palcos de pequenos teatros ou nas ruas de São Paulo, em embate direto com o povo que passa apressado.
Com narrativa e montagem truncada, Jovens Infelizes mira em certo experimentalismo formal, ainda que seja facilmente assimilável como história e conceito, sem abrir mão do inesperado e do estranho, provocando o espectador a compor o mosaico de vida daqueles personagens num fluxo próprio de vida, com começo e fim, apesar de embaralhados. Ao mesmo tempo em que apresenta perfil que se quer radical na textura do filme, também pode soar um tanto redundante nas ações e comportamentos dos personagens. No entanto, o filme é dono de momentos de pulsão de imagem, que vai do descontraído ao iconoclasta, sem querer chamar tanta atenção para si mesmo, e sem nunca macular o espírito irreverente e desafiador – mais ideológica do que formalmente – com o qual é facilmente identificado.
O filme também não se furta de autocrítica. Em dado momento um dos personagens faz um gesto obsceno numa estátua de praça, se dizendo ali adepto de “radicalização, enfrentamento”, ao que é contraposto por um homem e duas garotas, possivelmente prostitutas, que o verdadeiro enfrentamento está nas ruas, na rotina de todas as noites que as meninas vivem. Com isso, Jovens Infelizes e seus realizadores parecem ter plena consciência do lugar que ocupam com seu discurso inflamado, mas sem tornar isso uma verdade sem incongruências e conflitos internos que colocam os personagens em xeque, também em confronto entre si.
O filme abre com um número circense, de tons grotescos: uma mulher sem braços nem pernas, sentada numa cadeira, vestida como uma cigana, com trejeitos insinuantes, canta olhando para a câmera: “Vamos explodir/explodir/Para o mundo ressurgir/ressurgir/Pra começar de novo/é preciso destruir”. Os versos são extremamente felizes ao enfatizar, de modo muito apropriado, o princípio combativo e radical daquilo que eles fazem como pulsão artística. Assim, como carta de princípios, o filme apela – ou reverencia – quem abandona velhos princípios para fazer “arte de verdade”. É uma bela defesa, em prol de algo que vibra na tela, mesmo que para muitos só acontece de fato naquele momento em que brilha na tela.

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