O cinema “conversacional” de Noah Baumbach ganha um sólido, e belo, capítulo nesse História de um Casamento, certamente alcançando um paroxismo no uso desses diálogos intermináveis e embates verbais que geralmente têm algum destaque nos filmes do diretor (especialmente aqueles em torno de núcleos familiares em crise, como A Lula e a Baleia e Os Meyerowitz). Mas ao fazer um filme sobre o ocaso de um casamento, Baumbach explora toda sua habilidade de roteirista e dialoguista para construir uma história séria e agridoce.
É o mais perto que Baumbach chegou até então de um Bergman, passando por um Woody Allen no meio do caminho, já que escapa certo humor corrosivo em muitos momentos do filme. Se no início tem um tanto de toque de cinema indie nova-iorquino, o texto de Baumbach vai ganhando uma densidade que se expressa de forma muito palatável e honesta à medida em que a própria trama exige esse mergulho nas profundezas de um relacionamento que chegou a um estado tal de desgaste que só Deus sabe como e por que.
Charlie (Adam Drive) e Nicole (Scarlett Johansson) aparentam aquele casal centrado e estruturado, suportando as imperfeições e as discordâncias um do outro com certa compreensão e leveza, nada fora do normal; cuidam bem do filho pequeno de sete anos de idade, possuem bons amigos em comum e uma rotina de trabalho desgastante. A dissolução do matrimônio não tem uma causa exata, e o filme trabalha nesse limiar que é a passagem, muitas vezes confusa, entre o desentendimento e a necessidade de rompimento.
Baumbach faz aqui o seu Cenas de um Casamento – depois de já ter se aproximado do tema de modo muito pessoal ao emular o divórcio dos próprios pais em A Lula e a Baleia –, e não é uma aproximação apenas pelo assunto, mas o filme possui uma estrutura que em grande parte se faz dos confrontos verbais entre marido e mulher. O longa concentra-se, em grande parte, no tour de força dos atores, e não necessariamente dos protagonistas – há um embate duro e consistente entre os personagens de Laura Dern e Ray Liotta, advogados que representam ambas as partes, que é impecável nos mínimos detalhes, seja na tessitura textual, seja na performance dos atores.
É esse texto maduro que segura muito bem as mais de duas horas de filme, muito embora há muitos momentos que mereciam uma enxugada – e é sempre bom questionar se essa “carta branca” que a Netflix oferece, em termos de recursos e duração das obras, não favorece uma extensão desnecessária. De qualquer forma, há de se pensar também que o filme beneficia-se de uma longa duração para transmitir esse desgaste emocional que seus personagens vivem num processo tão desgastante como é um divórcio.
Interessante pensar que se há um grande mérito nos confrontos de Driver e Johansson – ele, especialmente, tem umas duas ou três cenas memoráveis –, o filme nunca se torna meramente explosivo ou calculado para fazer brotar brigas intermináveis em crescendo. Acompanhar esse cabo de guerra, e um tão bem equilibrado, em que os participantes estão em crise com seus próprios sentimentos e desejos, nos faz pensar que História de Casamento é menos um filme meramente sobre um divórcio e mais sobre como as pessoas são capazes de amar e odiar, em medidas diversas, sem que isso signifique a dissolução dos laços familiares.
História de um Casamento (Marriage Story, EUA, 2019)
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach