Mostra SP: Homens de Atos

Ilie (Iulian Postelnicu) é um policial de meia idade em uma pequena vila no interior da Romênia. Nutre o desejo de comprar um pomar perto de casa para fazer um jardim. Ele parece cansado de uma vida sem muitas emoções, preso a um trabalho burocrático, solteiro e sem filhos. Tem a possibilidade de voltar para a cidade grande onde cresceu junto à família, mas prefere assentar onde lhe é mais confortável e pacato.

Mas como nada são flores na Romênia – ao menos isso é o que ensina o cinema que nos tem chegado nos últimos anos vindo do país do Leste Europeu –, as coisas começam a desandar a partir da descoberta do corpo de um morador local, aparentemente assassinado. Mesmo assim, nem isso parece ser algo capaz de abalar toda a tranquilidade do local – ou assim o quer algumas pessoas de poder, o que começa a parecer suspeito desde aí.

Homens de Atos nos insere no microcosmo dos pequenos vilarejos rurais em que os donos do poder estão muito mais perto de nós e nem se imagina do que eles são capazes. Ilie começa a investigar o caso, mas logo é desestimulado por seus superiores, além do prefeito e do padre locais. Quem avança mais fundo na investigação é o jovem policial Vali (Anghel Damian), que acabou de ser enviado para trabalhar no vilarejo e pretende mostrar serviço, mesmo que desencorajado por Ilie.

O filme do jovem realizador Paul Negoescu é mais um exemplar do pulsante cinema feito hoje na Romênia, muito marcado por temas duros e que reverberam um passado recente de opressão social via regime ditatorial. Esse comentário político não está explícito no filme, mas fica marcado pela maneira como, sutilmente, a violência, como forma de manutenção do status quo, está assentada nas instituições oficiais, das quais Ilie faz parte.

O policial, por sua vez, é um personagem fascinante de acompanhar, especialmente porque o filme faz ver primeiro o homem sem grandes atributos pessoais, um tanto ignorante e brutalizado, mas que busca uma certa paz interior; sente também o peso da idade e, numa tocante conversa com o irmão, revela toda sua frustração por aquilo que já poderia ter construído em vida, mas que foi deixando passar e ficou para trás. Ilie quer recuperar o tempo perdido, mas as engrenagens sociais de onde vive são muito mais cruéis. Suas pretensões não são grandes, mas mesmo essas têm se mostrado difíceis de alcançar.

O contraponto que há entre seus desejos de renovar a vida e o misterioso caso de morte acabam por revelar uma estrutura muito mais pesada em termos de opressão e controle social. O filme acaba por denunciar a decadência moral que se esconde ali naquele lugar e, por vezes, parece insistir em certo humor irônico que não se resolve muito bem no curso do roteiro, além de que a sua vocação mesmo está no drama pessoal que acaba lançando luz sobre mazelas sociais mais graves.

Nesse sentido, o título Homens de Atos é muito sintomático sobre a situação toda porque não se trata de omissões ou de personagens apáticos e acomodados, mas antes de sujeitos que assumem lados, possuem posições que vão ficando cada vez mais claras no decorrer da trama, ainda que Ilie se mostre bastante manipulável no início do filme. Porém, ele mesmo terá sua oportunidade de escolher qual atitude tomar, quais inimigos enfrentar, apesar de que, independente disso, consertar o mundo não é tarefa de um homem só.

Homens de Atos (Oameni de Treaba, Romênia/Bulgária, 2022)
Direção: Paul Negoescu
Roteiro: Paul Negoescu e Oana Tudor

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