Mostra SP: Maria Callas

Essa espiral de filmes sobre personalidades marcantes da cultura e do poder – chamá-los de cinebiografias parece muito forte às vezes – não fez muito bem ao cinema de Pablo Larraín. Cineasta chileno que migrou para as produções “internacionais” com chancela dos grandes festivais europeus, Larraín lança agora sua mais nova aposta, a investigação sobre os últimos dias de Maria Callas, suas obsessões e dramas pessoais enquanto se prepara para uma nova e inesperada apresentação musical.

Apesar de conter no título brasileiro o nome artístico da grande cantora lírica greco-americana que se tornou cidadã do mundo, o título original é um singelo Maria, como se quisesse tirar o peso da figura pública e polêmica que ela se tornou no decorrer da carreira. Fora um dado momento de sua juventude, o roteiro parece muito mais disposto a fazê-la revisitar episódios do passado, conectando-os com o acerto de contas que ela busca fazer consigo no presente, envolvendo basicamente sua relação com a figura estelar que se tornou.

Quase que isolada em um grande apartamento em Paris no final dos anos 1970 – morava com dois fieis serviçais, uma governanta e um mordomo (vividos pelos ótimos Pierfrancesco Favino e Alba Rohrwacher) – a personagem sofre com o peso da idade e, principalmente, com a decadência vocal, lhe tolhendo daquilo que a tornou famosa e reverenciada como um dos maiores nomes do canto lírico no mundo.

Faz sentido pensar numa espécie de trilogia sobre mulheres encurralada pelas circunstâncias da vida que Larraín formatou juntamente com os anteriores Jackie (2016) e Spencer (2021). Mesmo com resultados irregulares, especialmente neste último, Jackeline Kennedy e Lady Diana, no entanto, eram retratadas em momentos emblemáticos de suas vidas conjugais, casadas com figuras de status político muito proeminentes, fazendo do filme estudos mais consistentes sobre as agruras, exigências e sacrifícios que mulheres precisam fazer em tal posição.

No caso de Maria Callas, o que inquieta e oprime a personagem é a sua própria vaidade machucada e a negação pessoal de seu envelhecimento – apesar de ter chegado apenas aos 53 anos de idade. É difícil para ela entender que seu tempo, talvez, já tenha passado. Consequentemente, ela sofre também com a perda do estrelato, da vida midiatizada, estando longe dos holofotes e de olhares admiradores. E isso não é necessariamente uma opção equivocada na concepção de um roteiro, mas Larraín, junto com o roteirista Steven Knight, pesam a mão no sofrimento autoimposto de uma mulher sobre sua própria imagem e não conseguem escapar de um olhar apenas condescendente a ela.

Na sua reclusão e ao remoer as dores de não ser mais La Divina ou La Callas, ostentados quase como títulos de nobreza, a personagem investe em subterfúgios devaneadores para uma autoanálise, como por exemplo a conversa fictícia empreendida com um jovem jornalista (vivido por Kodi Smit-McPhee). Poderia ser uma bela saída de roteiro, mas o que há ali não é um sujeito interrogando com real interesse uma grande personalidade artística, mas sim ela própria fantasiando sobre aquilo que já queria dizer (para o mundo?), como se desse as cartas desde sempre nesse delírio burguês.

E esse parece ser o veículo ideal para que Angelina Jolie exercite o lugar de diva em declínio, porém nunca derrotada. Sua composição tem algo de mimético, mas também certa segurança ao calibrar – e nunca exagerar – o peso dramático da decadência, ainda que seja o retrato de um sofrimento calculado demais e estacionado no mesmo tom. Se pensarmos nos seus trabalhos nos últimos anos, é um salto de qualidade, mas também ficam evidentes as próprias limitações do roteiro que não ajudam a tirá-la de certo pedestal da “diva em desgosto” – ao dublar as cenas de canto, as limitações voltam a aparecer.

É um filme que dá vazão ao egocentrismo de Callas e parece bem satisfeito com essa escolha apenas, sem se esforçar muito em acrescentar outras camadas à personagem. Tudo está muito cercado de certa grife blasé que nos impede de enxergar a verdadeira Maria por baixo de tanto luxo e presunção.

Maria Callas (Maria, Itália/Alemanha/Chile)
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Steven Knight

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