Mostra SP – Parte 11

Antiviral (Idem, Canadá/EUA,
2012)

Dir:
Brandon Cronenberg
Ao
contrário do que possa parecer em primeira vista, Antiviral não é um filme de epidemias. Ou melhor, não se insere nas
narrativas clássicas da infecção viral que sai contaminando pessoas, distribuindo caos, muito
embora algumas marcas clássicas desse subgênero marcam presença aqui no filme
de estreia de Brandon. Filho do mestre David Cronenberg, o diretor
novato resolveu se aventurar por um caminho que lembra em muito os trabalhos do
pai (especialmente em sua primeira fase), especialmente no fator gore e grotesco da situação.
E
esse pode ser um dado contra seu próprio trabalho já que o filme é bem mais
conceitual do que necessariamente gráfico ou algo eletrizante. E aí reside
outro problema, porque depois da apresentação do conflito, o enredo cai numa
morosidade que só. Antiviral está
muito mais interessado em montar uma crítica feroz contra o mundo das
celebridades e da bajulação dos fãs que chegam a se contaminar pelas doenças de
seus ídolos, sendo o comércio desses vírus um novo e lucrativo mercado, fonte
de vício e lucro, retrato de uma sociedade doentia.
Daí
que a composição visual do filme é bastante interessante ao apresentar
ambientes sempre muito limpos, assépticos, em contraste com o grotesco da
doença e infecções que as pessoas passam a desejar para si. Mas o filme vai se perdendo na
desinteressante história de Syd March (Caleb Landry), funcionário de uma dessas
clínicas virais que se infecta com o vírus da nova doença de uma famosa super modelo prestes a
morrer. Mas sua história passa por tantas reviravoltas, acrescentando
desdobramentos tão desinteressantes, que pouco contribuem para o todo. É assim
que Antiviral desperdiça um grande ponto
de partida num enredo insosso demais.
Perder
a Razão 
(À Perdre la Raison,
Bélgica/Luxemburgo/França/Suíça, 2012)
Dir:
Joachim Lafosse 
Não
fosse a cena inicial desse filme uma antecipação de uma tragédia anunciada,
sendo o filme composto pelo recurso do flashbabck,
pouca coisa nos daria a noção do futuro trágico de seus personagens. Porque
logo de início conhecemos o jovem casal Mounir e Mourielle (Tahar Rahim e Émilie
Dequenne, ela numa das atuações femininas mais intensas vistas aqui nessa
Mostra), alegres por estarem juntos. Nem o fato dele ser um imigrante ilegal,
que vive na França há tempos aos cuidados do médico e seu protetor Pinget (Niels
Arestrup) parece atrapalhar o casal enquanto impedimento de vida a dois.
Na
verdade, para ele é um ótimo negócio porque assim consegue nacionalidade
francesa. De qualquer forma fica claro que eles se amam. Daí que Perder a Razão parte desse amor jovem e
avança na vida de casados, fazendo surgir os problemas do matrimônio.
Eles continuam vivendo na mesma casa que Pinget, sob os cuidados financeiros
dele, já que possuem empregos não muito rentáveis, à medida também que vão nascendo
os filhos do casal (três ao todo). As relações entre o provedor e essa família
vão se tornando cada vez mais difíceis, apesar da adoração que existe ali de
todos entre si.
Numa
história que se equilibra tão bem em expor o drama e as dificuldades desse trio
de personagens, é muito interessante como a narrativa vai se afunilando e dando
destaque a Murielle e seus problemas psicológicos e de comportamento. Trabalhando
o tempo todo com o registro da câmera na mão, sempre muito colocada a seus
atores, Lafosse sabe intensificar o uso desse recurso, que ganha ares de desestabilização
emocional, mas sem nunca forçar a mão. Os minutos finais, de uma sutileza
incrível, são também o desenlace trágico de uma história que teve sua origem no
mais puro sentimento entre homem e mulher. Um filme intenso que põe em xeque a
própria razão humana.
Na Neblina (V Tumane,
Rússia/Alemanha/Letônia/Holanda/Bielorússia, 2012)
Dir: Sergei Loznitsa 
Na Neblina é desses filmes
que nos deixam assim sem saída, sem esperança, uma das sessões que mais
funcionaram para mim durante a Mostra no sentido de nos deixar levar (ou
aprisionar) por sua atmosfera. Aqui, tem-se um sentimento de acuamento
que reflete a própria situação de seu protagonista, o ferroviário Sushenya (Vladimir Svirskiy, numa grande
interpretação) acusado de colaborar com as tropas inimigas alemãs que ocupavam a
Bielorrússia durante a Segunda Guerra Mundial.
É
mais um filme pujante desse cineasta nascido na Bielorrússia, passando a morar
na Ucrânia desde pequeno, mas que se interessa em expor os atos de opressão que a União Soviética sempre infligiu a seu povo. Aqui, como o protagonista que desconhece as
razões de sua própria perseguição, o espectador é posto como um refém do estado
de brutalidade que o dia-a-dia da guerra e os laços de partidarismo impõem.  
Assim
como no ótimo Minha Felicidade, Loznitsa
busca um registro rigoroso, valorizando os planos longos e a câmera na mão,
nunca como modismo, mas antes como representação visual de um estado de coisas impiedoso com o ser humano, fazendo pesar o sofrimento sobre os menos favorecidos. Mas
diferente desse seu primeiro longa de ficção, Na Neblina é um pouco mais linear, menos intricado na forma, mas
ainda assim persiste como um estudo complexo de atitudes, quase como se
questionasse o quanto a guerra pode modificar (e endurecer) o homem.
Ao
mesmo tempo, o filme não deixa de pontuar um senso de amizade e de amor à
família que ainda persiste no coração humanos, mesmo que o entorno aponte
para direções mais endurecidas. Em sua
proposta sem concessões, para espectador e personagens, o filme se eleva
como produto brutal sobre os abalos que a guerra provoca. Uma curiosa sensação que equilibra filme
tão bonito de se reconhecer como arte, e obra tão forte que nos faz se perder
dentro da névoa mais densa da estupidez humana.
Minha Felicidade (Schastye Moye,
Rússia/Ucrânia/Alemanha, 2011)
Dir:
Sergei Loznitsa 

Aproveitando
a retrospectiva de Sergei Loznitsa na Mostra, dá pra acessar aqui texto que fiz sobre Minha Felicidade, primeiro longa de
ficção do cineasta. O filme precisava de revisão, o que não pude fazer durante
o evento, mas ficam essas primeiras impressões de um trabalho também potente.
A Caça (Jagten,
Dinamarca, 2012)
Dir:
Thomas Vinterberg 
Preciso
dizer, eu não gosto dos filmes do Thomas Vinterberg. Daí que não fossem as boas
recomendações para ver este seu novo filme, não sei se teria me arvorado. E não
é que desta vez o cineasta dinamarquês fez uma obra madura? Intensa, sobre tema
sério e espinhoso, consegue montar uma história que, sob o ensejo de discutir a
questão da pedofilia, é na
verdade um estudo complexo sobre a mentira.
Porque
sabemos desde o início que o professor de uma escola infantil, Lucas (Madds
Mikkelsen), não cometeu nenhum tipo de ato indecente contra a pequena Klara (Annika Wedderkopp) que, por se sentir “rejeitada”
por ele, passa a sustentar o fato dele ter se mostrado nu para ela. Por sua
vez, a posição de homem divorciado e de pouco trato com as mulheres, representada
bem demais por Mikkelsen, ajuda a compor a fragilidade desse homem diante de
acusações tão fortes, ainda mais vindas de uma criança tomada por inocente, e
que encontram na pequena cidade em que vive repercussões das mais negativas e arrasadoras
para ele.
A
vida de Lucas então se torna um inferno, e o filme acompanha seu esforço para
manter a dignidade e lutar por inocência. É mais um filme duro, que sabe
dar a dimensão exata de humanidade e consideração por todos os personagens,
seja por Lucas e sua família que também sofre com as acusações, seja por seus amigos
e colegas de trabalho que passam a enxergar o professor de forma mais cruel. Sem
julgar nenhum deles, o filme monta uma situação que afunda em sua própria natureza
corrosiva da fidelidade humana.
Filmado
com a tensão que a história exige, mas sem abusar tanto da câmera trêmula,
Vinterberg acertou bem a mão para lidar com o tempo do filme, pausado na medida
certa a fim de valorizar a experiência emocional que é acompanhar esse homem
acuado em sua própria comunidade. Nesse ponto, a única ressalva é um epílogo um
tanto desnecessário que arrasta o final do filme por minutos a mais, mastigando
um pouco a resolução da história. Mesmo assim, faz questão de pontuar que, uma
vez tido como caça por seus próprios pares, depois de permanecido na mira da
vigilância social, um homem leva por muito tempo dentro de si o estigma da perseguição.

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