Motel Destino / Entrevista com Karim Aïnouz

Perigos e desejos tropicais*

Motel Destino é o sexto filme do cineasta cearense Karim Aïnouz a passar pelo Festival de Cannes, o segundo a competir na mostra principal, depois de Firebrand ano passado. A diferença é que enquanto este é um produção estrangeira (um filme sobre conflitos na corte real inglesa, com Jude Law e Alicia Vinkander no elenco), Motel Destino marca um retorno do cineasta às suas origens nordestinas.

Todo filmado em Fortaleza, com elenco e equipe locais, o filme é também o retorno do cineasta às histórias intimistas que misturam sensualidade e melancolia na paisagem do interiorana. Só que agora o cineasta acrescenta uma dose de thriller para contar a história de Heraldo (o novato Iago Xavier), rapaz que se envolve com um bando de criminosos e passa a ser perseguido por eles.

Ele vai acabar encontrando guarita em um motel um tanto quanto vagabundo de beira de estrada, no litoral cearense. Primeiro ele conhece Dayane (Nataly Rocha), que trabalha atendendo no local. Logo depois iremos descobrir que ela é esposa do dono do lugar, Elias (Fábio Assunção). Ambos contam com a ajuda de apenas mais um empregado, mas acabam fazendo quase todo o serviço em conjunto – ela mais do ele, é claro.

O diretor Karim Aïnouz, em entrevista para A Tarde, contou que o projeto do filme ficou parado por muito tempo, ele nem achava que viria a retomá-lo – Aïnouz, que mora atualmente na Alemanha, construiu uma carreira internacional dirigindo muitas obras fora do Brasil. Seu último filme inteiramente filmado no Ceará foi a obra-prima O Céu de Suely, em 2006 (Praia do Futuro, de 2014, se passava entre Fortaleza e Berlim).

“Tem alguma coisa em relação a isso que eu chamo de devorar o presente com tudo que ele tem. Havia uma espécie de fome nessa minha volta ao Brasil. Na verdade, eu achei que não ia mais ter filme. Porque, pra mim, a situação política que o país vivia há alguns anos era de um sequestro permanente, sem luz no fim do túnel”, afirmou o diretor.

Mas Motel Destino saiu do papel, reavivando no diretor a vontade de filmar mais no Ceará, com a paisagem e os tipos nordestinos a darem o tom das histórias. “Quando eu falo em devorar o presente é porque este filme vem com vontade de fazer tudo ao mesmo tempo agora. Ele é brega, é trash, é livre, solto, colorido, tenso, ele é tudo isso. Algo meio febril. E acaba sendo o registro de uma sensação do que estávamos vivendo. A gente começou a preparar o filme em janeiro de 2023, ano em que estávamos retomando a vida depois da pandemia”, pontuou.

Donos de si

Motel Destino é tudo isso, um filme quente e vibrante – quase como se tivesse o frescor de um primeiro filme –, mas filmado com a precisão e a segurança de um diretor maduro e consciente do seu lugar e daquilo que está registrando. Isso explica porque o filme funciona tão bem e prende o espectador com tão poucos elementos.

A trama se desenrola quase toda naquele ambiente do motel que dá nome ao filme, a partir dos conflitos que se estabelecem e se ramificam entre os três personagens centrais. Heraldo consegue um trabalho temporário ali em troca de comida e um quarto para dormir. É claro que, jovem e cheio de disposição, mas sem intenções maliciosas, ele vai alterar a dinâmica do casal.

Há um fascínio de todos por esse garoto, especialmente naquele ambiente que exala sexo. Se de início é Dayane quem se atrai pelo rapaz, há todo um jogo de insinuações e malícias que se forjam entre ele e Elias. É uma grata surpresa a presença de Fábio Assunção nesse papel, quase como se fosse um corpo estranho – literalmente – naquela paisagem.

“O Fábio Assunção é uma mistura de Joker com algum fascista grosseiro, mas ainda muito humano. O que o Fábio traz para essa interpretação é a inteligência de fazer um vilão que é humano porque é também um macho em decadência”, observou Aïnouz.

Esse homem cheio de ideias retrógradas e conservadoras – mais interessante e real ainda por ser dono de um motel – possui comportamento duvidoso, atraído por esse garoto que representa a liberdade da juventude, ainda que tenha de estar escondido naquela espelunca. Um pássaro preso na gaiola querendo voar, assim como a própria Dayane que se vê quase como uma empregada do estabelecimento, quando ela é também dona do lugar. No fim das contas, eles querem ser todos donos de seu próprio destino.

Trilogia à vista

Curiosamente, o diretor contou também que antes do ambiente do motel e de toda a atmosfera erótica que emana do filme, sua intenção era trabalhar com um registro mais próximo do filme policial.

“Eu queria inicialmente fazer o retrato de um personagem que fosse de uma outra geração que não a minha, que viesse de um outro lugar econômico que não o meu e de um personagem que tivesse numa situação de desamparo, impelido pela ilegalidade”, explicou.

Há, portanto, em Motel Destino, uma mesma dose de sexualidade aflorada – pelos desdobramentos da trama e também pelas cores saturadas da bela fotografia de Hélène Louvart, parceira de Aïnouz em A Vida Invisível – junto a tensões e violências que ameaçam Heraldo, primeiramente vindos de fora do motel, mas que depois evolui para um senso de perigo a rondar por entre os corredores e quartos do estabelecimento.

O diretor contou ainda que o processo de montagem desse filme foi tão pulsante que surgiu o interesse em fazer mais filmes no Ceará, explorando outros gêneros cinematográfico. “Foi tão bom estar com aqueles personagens, com aquelas pessoas que eu fiquei com vontade de continuar a história delas. Daí veio a ideia de uma trilogia porque eu estou com a sensação de que a missão ainda não foi cumprida”, confidenciou.

Motel Destino (Brasil/Alemanha/França/Reino Unido, 2024)
Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Karim Aïnouz, Mauricio Zacharias e Wislan Esmeraldo

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 25/08/2024)

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