O Guarani (BA/BR, 2008)
Dir: Cláudio Marques e Marília Hughes
O Guarani é um documentário feito para resgatar a memória de um dos mais importantes cinemas da cidade de Salvador, pelo menos para os cinéfilos que o freqüentavam na época (a partir da década de 50). Foi lá que o primeiro longa-metragem baiano, Redenção, foi lançado. Foi lá que a exibição de Deus e o Diabo na Terra do Sol, clássico de Glauber Rocha, causou grande comoção fazendo todos os presentes chorarem por mais de meia hora depois do silêncio que se seguiu após a exibição. Foi lá que o formato cinemascope primeiramente apareceu no Brasil. Foi lá que o grande ensaísta baiano, Walter da Silveira, criou o Clube de Cinema. E é lá que a estrutura do antigo Cine Guarani se encontra jogada e carcomida pelo tempo. O curta traz belas imagens de arquivo e faz uma denúncia ao descaso com o local. Mas reverencia uma bela época para o cinema e os cinéfilos na Bahia.
Os Filmes Que Não Fiz (MG/BR, 2008)
Dir: Gilberto Scarpa
É com uma idéia bastante original que Gilberto Scarpa tenha feito talvez o curta mais engraçado exibido na Mostra. O filme traz um diretor de cinema (também chamado Scarpa) revelando as idéias para os seus filmes que nunca chegaram a ser feitos. Os roteiros, ditos geniais, nunca saíram do papel. Fica só a esperança do diretor em algum dia realizar aqueles filmes com histórias tão toscas. É também uma forma de falar sobre questões que permeiam a realização de um filme: a choque criativo entre diretor e roteiristas, a falta do ator ideal para um papel, o desânimo de uma equipe de filmagens em fazer aquele trabalho inútil. Um curta metalingüístico e divertido, um cineasta rindo de si mesmo e transformando a difícil luta de fazer um filme em material criativo.
A experiência do crítico de cinema Kleber Mendonça Filho, aliada ao seu posterior trabalho como cineasta de curtas-metragens premiados, rendeu um longa investigativo sobre essas duas áreas ligadas ao Cinema. Cineastas, críticos (que parecem estar sempre em lados opostos do ringue) e alguns atores discutem o pensar da crítica cinematográfica nesse documentário que fechou a programação da 4º Mostra Cinema Conquista.
Um filme de múltiplas vozes em que se revela o respeito e a aversão por esse peculiar texto jornalístico. Vendo o filme pareceu que muitos diretores não torcem tanto o nariz para a crítica, não sei se por estarem diante de um crítico para fazer parte de um filme sobre o assunto. Me admira também a grande quantidade de diretores que dizem ler muito as críticas e o fato deles sempre se lembrarem daquelas negativas, mesmo se as positivas sejam em maior quantidade.
Daí a surpresa com cineastas que dizem como a crítica interferiu na feitura de um filme. O documentarista Eduardo Coutinho chegou a dizer que depois de uma jornalista ter achado uma cena de seu filme preconceituosa, a partir de uma pergunta feita por ele a um entrevistado, ele decidiu cortar a cena. Ou quando Walter Salles cita a grande importância de Pauline Kael, crítica norte-americana, na formação de uma geração de cineastas (Scorsese, Coppola).
Mesmo assim, existem rancores e decepções. Nem todo cineasta está tão aberto assim a uma ferroada contra seu filme. Ou quando se percebe que a crítica leva em consideração o lado pessoal, o não gostar de determinado ator/cineasta/produtor. Sem falar quando a crítica é vista também como peça publicitária. Não é difícil imaginar uma crítica favorável somente para vender determinado filme.
O documentário se constitui de depoimentos recolhidos ao longo de oito anos de contato com cineastas e críticos do mundo. Poderia ser cansativo ficar ouvindo tanta gente falando sobre o mesmo assunto, mas é interessante saber o pensamento de cada um deles, principalmente porque o assunto “crítica cinematográfica” é muito pouco discutido. Kleber Mendonça Filho ainda intercala imagens enigmáticas às falas, mas a mais interessante é aquela em que cenas de películas em rotação se intercalam com jornais impressos rolando nas gráficas.
Mas talvez, depois de tantas reflexões interessantes, é Fernanda Torres quem relembra uma das falas mais pertinentes, quando Orson Welles diz que “toda crítica é uma autobiografia”. Esse conceito faz pensar na subjetividade de quem a escreve a crítica (alguém chega a dizer: “o crítico é um ser humano”), mas também tira dos cineastas o peso para uma crítica negativa sobre seu filme. No final das contas, o que vale é pensar e discutir o cinema. E não importa se você gostou ou não do filme, mas o porquê disso. E nesse bate-bola deve prevalecer a troca de conhecimentos, tanto para o cineasta, para o crítico e, sobretudo, ao leitor/espectador.
Depois de cinco dias intensos com exibição de filmes, talvez a idéia de fechar a Mostra com essa obra revele a necessidade de as pessoas pararem para pensar o Cinema como um todo. Uma forma de apurar o olhar para o cinema e para aquilo que se vê. Digerir imagens em movimento, esse é o lance!
Realmente, eu destacaria o último dia como o melhor dia da mostra. Mas concordo que o documentário Crítico que encerrou o evento foi uma escolha um tanto equivocada, já que o público foi para o encerramento esperando uma obra que proporcionasse descontração, uma obra um tanto mais ficcional, e encontraram um documentário com uma perspectiva séria, com uma discussão pertinente, mas que não chamou a atenção de todos. Sobre os curtas, achei ambos sensacionais. Em O Guarani porque ele resgata a paixão de um espaço cinematogáfico que marcou uma geração. Os depoimentos são apaixonantes, sobretudo do Navarro e o testemunho da exibição de Deus e o Diabo que comoveu uma platéia inteira. Simplesmente emocionante, o resgate também dos feitos glauberianos e sua influência na paixão dos baianos na construção de um novo cinema (falo aqui do cinema com relação às produções).
Sobre o segundo curta, Scarpa prova que tudo é tema para um filme. Hilário os temas e a forma como ele brinca com as dificuldades de se fazer um filme, desde o roteiro até a sua construção, passando pelas peculiaridades…
Sobre Crítico, um documentário impressionante. Material de pesquisa para quem quer entender os percalços da crítica de cinema, e várias questões pertinentes são abordadas. No entanto, do meio pro final a sensação que se tem é que o diretor sente a necessidade de que todos os depoimentos que ele recolhe sejam aproveitados ao máximo,e o documentário acaba ficando um tanto repetitivo. Para os jornalistas que estavam na platéia e que amam o cinema e a crítica cultural, foi uma troca ainda muito mais valiosa. E deixa aquela velha lição: o crítico não é um juiz, sua opinião nunca será a mais correta sobre um filme, ele interfere e muito na opinião pública sobre uma obra e jamais deve deixar que a emoção e a subjetividade se sopreponham à sua atividade analítica. Agora dizer que isso é possível, vale um novo documentário…
Poxa, uma pena que perdi Critico, principalmente pq nao passa na Mostra de SP (e passou no Festival do Rio)…
E tb imagino como seja deslocado. Na verdade, teria sido interessante se houvesse uma oficina sobre critica cinematografica, que acho que ja passou do tempo de ter uma em Conquista, por conta do gosto pelo cinema e pelo curso de Comunicaçao que temos.
Abraços!
Eu Não fui à todas as exibições da Mostra. Mas me pareceu que os filmes exibidos este ano não agradou tanto ao grande público. Uma pena!
Realmente, o longa Crítico, para o encerramento, não foi uma escolha tão apropriada. Achei interessante as exposições de como cada profissional lida com seus próprios medos e ressentimentos, e como modifica isso em um discurso q não necessariamente cola àquilo que conhecemos da prática de cada um. Achei q o documentário foi mais uma defesa à classe jornalística. As falas dos cineastas e dos atores foram muito fracas. Acredito q eles têm mais a dizer sobre o assunto. E o público foi excluído.
Mas a tentativa de discutir a questão é válida. Principalmente quando se fundamenta em uma avaliação objetiva.
Bjs!
Puxa, queria muito ver esse trabalho do Kleber Mendonça Filho, ele é um dos melhores críticos do Brasil!
Ok Indhy, o melhor dia pra mim ainda foi a sexta-feira que trouxe o melhor longa, Santiago, e um dos melhores curtas, Esconde-esconde; mas a programação foi bem variada. O curta O Guarani é bem quadradinho, mas bastante comovente principalmente porque é algo mais próximo da gente. E lembra também do fechamento do nosso Cine Madrigal. O filme do Scarpa é sem noção, divertidíssimo. E não achei Crítico repetitivo, as falas são bem pertinentes e fiquei antenado com o que cada um tinha a dizer. E a fala do Suleiman dizendo que “ninguém é o juiz” é bem legal e animadora. Valeu pela companhia nesses dias de Mostra.
Poxa Hélio, pensei que passava na Mostra de SP, mas não reclama não que você vai ter muita coisa interessante aí pra ver. E é bem pertinente isso sobre um curso de crítica aqui na cidade. A gente tem uma pequena base no curso, mas só.
Patty, agradar ao público é uma coisa meio complicada mesmo, mas esse ano achei mais cheio e participativo que ano passado. Também penso em Crítico como uma defesa da classe jornalística, mas acontece que muitos cineastas não acusam tanto a crítica como eu achei que seria. Mas o filme tem lá suas alfinetadas aos críticos. Em relação ao público, não acredito que seja uma exclusão, somente que a proposta do filme é fazer a relação de opinião entre críticos e cineastas, incluir o público poderia ser mais complicado e renderia um outro filme.
Então Vinícius, também adoro o trabalho do KMF, ele escreve muito bem e é bem afiado como crítico. Um dos melhores que nós temos. E os curtas que ele dirigiu também são bem legais.