O peso da eternidade

Amantes Eternos (Only Lovers
Left Alive, Reino Unido/Alemanha/Grécia, 2013)
Dir:
Jim Jarmusch

Esqueçam
os filmes de horror em que os sugadores de sangue aparecem como seres das
trevas assustadores, atacando humanos. Os vampiros de Jim Jarmusch vivem outros
embates, o mais duro deles: com o próprio tempo. Seres imortais, estão
relegados à eternidade e chegam ao mundo contemporâneo como que tomados de
apatia e torpor, cansados, sentindo o arrastar dos dias.
As
criaturas não saem à luz do sol e precisam de sangue para se alimentar, como
ditam as regras clássicas do universo dos vampiros. Mas não estamos no terreno
genérico dos filmes de horror. O que está em jogo aqui é a forma como o tempo
pesa sobre esses personagens e promete continuar pesando, a eternidade como
fardo num mundo não mais agradável para eles.
Na
cena inicial, um movimento circular de câmera pega os personagens do alto,
focando sua atenção no casal Eve (a multifacetada Tilda Swinton) e Adam (Tom
Hiddleston), como se prenunciando um tempo que não para de girar,
vagarosamente. Ele tem toda pinta de rockstar
decadente, com tendências suicidas; ela é superculta, atenciosa e amorosa com o
velho vampiro Marlowe (John Hurt) – o antigo dramaturgo? –, e atende ao chamado
de Adam quando este, entediado de tudo, quer revê-la – são um casal, na
verdade.
Amantes Eternos consegue
manter, do início ao fim, um tom aguçado de nostalgia e morbidez sem nunca se
tornar enfadonho. Cria de tal forma uma atmosfera soturna, que embala o
espectador na vida não mais idílica daqueles vampiros. Como algo de
expressionista, a narrativa tem lugar numa Detroit a mais realista possível,
decadente e decrépita, abandonada em bancarrota, o que encontra um paralelo
direto na rotina daqueles vampiros de cabelos desgrenhados e olhar cansado,
tais quais hippies largados e
desgastados, consumidos pelo tempo.
O
filme só se permite uma quebra nesse tom com a entrada em cena de Ava (Mia
Wasikowska), irmã de Eve, “jovem” e inconsequente, destilando impertinência
para o desespero de Adam. É uma nova geração, vista com olhar de suspeita, aberta
aos prazeres da vida moderna, ainda que continuem buscando o sangue mais fresco
para beber. A presença inoportuna de Ava só reforça o contraste com aqueles
adultos que parecem estancados no tempo.
Adam
e Eve sempre evocam um passado mais idealizado, buscando referências que vão de
Mary Shelley a Lord Byron. São personalidades artísticas com quem os
personagens parecem ter convivido séculos atrás, compartilhando seu apreço pela
atmosfera gótica e um romantismo mórbido, imortalizados nas artes. A sofisticação
cultural que eles demonstram também funcionam como retrato de uma postura
aristocrática que parecem já ter gozado. 

Mas se essas referências, inicialmente, revelariam certo
ar de boçalidade erudita, no fundo, dizem muito sobre aqueles personagens agora
deambulantes, rememorando um tempo de sofisticação e prazeres idos. O rock
melódico da bela trilha sonora é só mais um elemento a reforçar um romantismo
de tempos passados. Resta aos vampiros de Jarmusch vagarem pelo mundo,
amparando-se um no outro.

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