Olhar de Cinema: Zé

Mais de 14 anos separam o último longa-metragem dirigido por Rafael Conde, Fronteira, desse seu novo longa, . O esforço de produção em um filme de época, além da pesquisa história para recontar as atividades do militante político mineiro José Carlos Mata Machado durante os anos da Ditadura brasileira, talvez expliquem esse espaçamento temporal. Zé, como ele era comumente chamado, foi dirigente da Ação Popular Marxista-Leninista, preso pela polícia política, torturado e morto covardemente nos porões do DOI-CODI em Recife.

É a clássica história do jovem de família burguesa (ainda que o pai tivesse também um passado ligado à esquerda católica) que se interessa pelos ideais do engajamento político e decide entrar na luta armada quando a repressão no Brasil torna-se mais pesada. Vivido por Caio Horowicz, Zé começou muito cedo a militar e muito cedo morreu também (aos 27 anos), mas manteve uma vida dedicada à resistência. Casa-se com a também militante Lena (Eduarda Fernandes), e ambos precisam fugir de Minas Gerais, onde nasceram, para viver na clandestinidade, inicialmente em Fortaleza antes dos caminhos dos dois (de muitos) terem que se dispersar por aí.

É um filme também de narrativa clássica, sem pretensões formais de invenção (salvo algumas pequenas escolhas de encenação, a mais representativa delas as cartas de Zé lidas por Horowicz mirando diretamente a câmera). É, por isso mesmo, a obra mais destoante da competição nacional no Olhar de Cinema. Não deixa de ser uma aposta curiosa, dado o seu valor histórico, embora seja importante pontuar que o filme enquadra-se no campo da produção de baixo custo, o que torna a sua feitura um esforço de anos de toda a equipe.

Isso também se reflete na própria tessitura narrativa da obra, a partir de algumas opções de direção e roteiro (este assinado por Conde em parceira com Anna Flávia Dias, mas baseado no livro-reportagem do jornalista Samarone Lima). Ao lidar com o dia a dia das discussões políticas entre os militantes (e algumas rusgas entre Zé e sua família), o filme acaba por explorar a dimensão ideológica da luta, os embates entre os personagens e as articulações sobre qual passo tomar a seguir.

Não há nada de necessariamente novo aí, para além da particularidade das ações e movimento que Zé e Lena empreenderam na luta política (sua luta pessoal e coletiva), e também na sua intimidade – além de ter um filho pequeno de outro relacionamento, pouco tempo depois ela irá engravidar do marido, e conciliar as duas coisas não será fácil para eles. Nesse sentido, acaba espelhando outros filmes com o mesmo tema que rondam pelos mesmos caminhos.

Os melhores embates discursivos do filme – e não são muitos – se dão entre o protagonista e seu pai, atualmente um professor de Direito, mas de passado militante. Em parte, ele compreende o filho, mas também se contrapõe a ele, dadas as novas configurações políticas que levam o embate contra a Ditadura a patamares mais arriscados e tenebrosos. É o pai quem lhe diz: “A morte da utopia é a morte da História”. Não haveria defesa melhor para justificar a luta daqueles jovens, ponto de compreensão que não deixa de pesar sobre o velho esquerdista.

Fora uma única cena mais ao fim da projeção, a polícia ou os militares nunca são filmados, mesmo nos poucos momentos de confronto nas ruas, bem como se evita as cenas de tortura e os embates mais pesados. De alguma forma, o filme se beneficia de um imaginário que já está incrustado no espectador brasileiro a partir de outras tantas obras que tocam no assunto, de modo muito gráfico até.

prefere focar nos meandros políticos que levam os personagens para esse ou aquele caminho, com certo apuro e cuidado na representação, o que não livra o filme de certa sensação de marasmo. É muito discurso para pouca ação, ainda mais se o filme nos faz pensar que a luta de Zé se deu de fato muito mais nas articulações internas do que nas ruas propriamente.

(Brasil, 2023)
Direção: Rafael Conde
Roteiro: Anna Flávia Dias e Rafael Conde

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