Os nós da mente

A Loucura Entre Nós (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Fernanda Fontes Vareille

Dentro do hospital psiquiátrico Juliano Moreira, em Salvador, a diretora Fernanda Vareille mira sua câmera nos pacientes que ali fazem tratamento. Eles vivem encarcerados por trás das grades e das perturbações psicológicas que sofrem, em níveis distintos para cada um.

O documentário baiano A Loucura Entre Nós, que estreia essa semana nos cinemas brasileiros, tem o cuidado sensível de observar e dar voz a quem muitas vezes negamos a razão. Está longe de simplesmente pregar o traço de “lucidez” na loucura que os pacientes trariam consigo, espécie de clichê às vezes visto na representação de pessoas com esse quadro psicológico.

Felizmente o filme também não ignora a existência de casos mais graves de esquizofrenia e não deixa de pontuar que pode ser até mesmo perigoso para a diretora e equipe andarem desacompanhados por aqueles corredores, já que alguns pacientes podem apresentar comportamento agressivo. Há ainda os pacientes com discurso aleatório e desconexo, pessoas que vivem um grau menor de lucidez.

Enfim, trata-se de uma nuance difícil de apreender pela própria diversidade de comportamentos e casos particulares da doença. Mas o documentário é feliz em revelar dignidade no contato com o outro nessa posição de fragilidade, imprimindo respeito e demonstrando atenção pela história daquelas pessoas, num ano em que o cinema brasileiro lançou a ficção Nise – Coração da Loucura, de Roberto Berliner, acentuando a importância do trabalho da Dr. Nise no tratamento humanista do paciente esquizofrênico.

Ao partir nessa jornada, mais interessada numa apreensão do subjetivo, o documentário observa com grande atenção aqueles pacientes de um local específico . No entanto, a narrativa caminha no sentido de se afeiçoar a duas mulheres em condições diferentes de doença mental e que acabam colocando em questão muito do que significa estar naquela condição. Elizangela e Leonor tornam-se os faróis que guiam o filme.

São personagens que evoluem mesmo no decorrer da narrativa. A opção de não entrevistar nenhum médico, especialista ou algum representante da administração do hospital reforça esse caráter humanista e subjetivo, apreendido nas falas das personagens, e de outros pacientes, que acabam jogando luz sobre vários aspectos de uma dura rotina: as delicadas e doídas relações entre paciente e família, a solidão que atravessa o cotidiano, o companheirismo e as rixas entre os próprios pacientes, a aceitação de si e do outro.

Quando uma das personagens canta a tristíssima Lágrimas Negras, canção imortalizada na voz de Gal Costa, enquanto realiza um trabalho manual qualquer, o filme abre-se para a dureza de uma vida cercada de limitações, sejam elas autoimpostas, socialmente “aceitáveis” ou mediadas pela condição patológica de quem convive por entre os limites da razão. A loucura emerge não como característica que rotula, mas como um embate constante para não se perder e para não se deixar perder de vista. Há quem nela sucumba e quem na multidão se infiltra, querendo ser mais um entre tantos, dignos de levar a vida adiante.

 

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