Olmo e a Gaivota é uma espécie de peça rara na cinematografia nacional (ainda que seja uma coprodução, falada majoritariamente em francês), com uma delicadeza imensa na maneira como lida com um tema pouco explorado, mas não sob o prisma que aqui se revela. Uma pena que isso não seja suficiente para salvar o filme de certo maneirismo contemporâneo de querer estar na fronteira entre documentário e encenação (e esse tipo de colocação já está se tornando um clichê), quando sua maior força estaria naquilo que o filme põe em discussão.
A gravidez, essa dádiva da vida materna, sempre foi muito festejada, inclusive pela dimensão de uma completude da condição feminina. Olmo e a Gaivota olha para esse fenômeno, na subjetividade de uma mulher, para mostrar como a gravidez também tem algo de duro. Seja na solidão, nos anseios, dúvidas e medos da gestante, seja nas mudanças do seu corpo, é a mulher quem mais sente e lida incondicionalmente com as novas demandas desse outro ser que está sendo gerado dentro de si. É um ponto de vista corajoso, sem romantismos fofos, apesar da sensibilidade com que essa faceta nos é revelada.
Olivia vive com seu companheiro Serge. Ambos fazem parte da companhia Théâtre du Soleil, em Paris, e preparam a montagem do espetáculo A Gaivota, de Tchekov. Mas a gravidez inesperada – e de risco – de Olivia a distancia da peça. Ela passa seus dias, então, trancada em casa, com suas memórias e questionamentos. É preciso dizer que essa é a história real desse casal, encenando agora para a câmera um momento de vida dos dois. É mais uma vez nessa fronteira que o filme estabelece seu discurso.
Apesar disso, o filme parece se firmar muito como ficção, especialmente pela intrusão de uma câmera na rotina íntima daquele casal. Nos momentos mais incômodos do longa, o filme insere trechos em que as diretoras Petra Costa e Lea Glob, fora de campo, conversam e dão instruções aos atores. É aí que Olmo e a Gaivota investe num caminho que não consegue dar conta de seguir: o do processo narrativo. Se a impressão primeira é de que o filme vai se deter na construção fílmica, nas tensões entre atores e diretoras, na formatação de um construção delicada centrada na experiência real daquelas pessoas transmutada em encenação, logo o filme abandona essa ideia e volta a dar atenção às introspecções de Olivia. Certamente estas estão muito calcadas no real, mas sem ter de chamar muita atenção para isso.
Seria uma maneira de tornar a coisa toda muito moderna, mas acaba soando como modinha. Depois desse desvio, espera-se mesmo uma mudança de tom, mas a narrativa do filme volta a acompanhar os pensamentos da grávida no seu autoquestionamento, mantendo a mesma linha narrativa. Existe uma pureza aí, uma delicadeza muito bem-vinda no tratamento dos dramas humanos, sem soar exagerada – como acontecia no filme anterior de Petra Costa, Elena. Porém pode parecer pouco diante daquilo que o longa parece prometer.
Bom.
Gostei do filme.