Para nós que amamos tanto o cinema

Nós que Nos Amávamos Tanto (C’Eravamo Tanto Amati, Itália, 1974)
Dir: Ettore Scola

Esse filme para mim foi uma surpresa. Um sebo-café daqui da cidade (o Viela) tem uma programação cultural para o final de semana e nas quintas-feiras sempre exibe filmes. Foi divulgado que o filme da última semana seria Tudo Sobre Minha Mãe, do Almodóvar. Mas quando chego lá, descubro que o filme tinha mudado e seria exibido Nós que Nos Amávamos Tanto, do Ettore Scola. Já tinha ouvido falar dessa obra, mas nunca tinha assistido a nada do diretor. Vi o filme com grande admiração do começo ao fim.

No pós-Guerra conhecemos um trio de grandes amigos: o enfermeiro despojado Antonio (Nino Manferdi), o advogado inicialmente idealista Gianni (Vittorio Gassman) e o cinéfilo-esquerdista Nicola (Stefano Satta Flores). Logo, Antonio se apaixonará por Luciana (Stefania Sandrelli), aspirante a atriz que mudará os rumos da amizade dos três. Tudo isso transcorre entre os anos 45 e 75, permitindo ao filme fazer um apanhado histórico desse período.

O filme sabe ser político, romântico e engraçado, sem tentar forçar nenhum desses aspectos, e ainda faz uma deliciosa homenagem ao próprio cinema italiano. Os personagens centrais representam uma geração de idealistas que têm seus caminhos atravessados por outros propósitos. Os amigos, exaltados após a expulsão dos nazistas, vão se deparar com o desencanto de defender a causa revolucionária. Gianni se vê tentado a defender o lado burguês, enquanto Nicola é capaz de abandonar a família para ainda se manter fiel a seus propósitos.

Com uma leveza beirando o poético, o roteiro é ágil em estabelecer a relação entre os personagens ao mesmo tempo que condensa tanto tempo através da narrativa, aliado a diálogos maravilhosos, seja de pureza romântica ou de comentário político que surge pertinentemente ao longo do filme. Ettore Scola filma tudo com muita graça, se importando com cada um de seus personagens e compondo um painel geral da sociedade italiana do período.

O filme também brinca com a própria linguagem cinematográfica, como quando se paralisa toda ação ao redor para dar ênfase ao pensamento de algum personagem; ou mesmo na utilização da cor, já que a primeira metade do filme é feita em preto-e-branco, só ganhando cores quando a narrativa alcança a década de 60.

Há também um prazer cinéfilo em referenciar o cinema italiano, retratada na obsessão de Nicola por Ladrões de Bicicleta, filme importantíssimo para o neo-realismo italiano, do qual ele é defensor fervoroso; ou então a deliciosa seqüência em que presenciamos o set de filmagens de A Doce Vida quando Fellini filmava a cena de Anita Ekberg se banhando na Fontana de Trevi (inclusive, com as participações em carne e osso do próprio Fellini e de Marcello Mastroianni). Aqui, o cineasta parece reverenciar não só a importância dessa época do cinema italiano, como apresentar suas próprias influências.

No fim das contas, Nós que Nos Amávamos Tanto se junta ao panteão das grandes obras do cinema tais como os filmes a que presta homenagem. Obras que nos fazem esquecer do mundo ao nosso redor para entrar em universos outros, nos encantar e deixar uma sensação de contentamento enorme durante e depois da exibição.

6 thoughts on “Para nós que amamos tanto o cinema

  1. Vixe Felipe, eu não vi quase nada do 007 dessa fase do Roger Moore. Mas darei uma passada em seu blog de qualquer forma.

    Ih Kamila, pois devia ter assistido, mas não acho que seja difícil encontrar numa locadora hoje.

    Também já ouvi falar desse Concorrência Desleal Alex, mas na verdade estava por fora do cinema do Scola. Nós que Nos Amávamos Tanto é um excelente começo.

    É o que mais me encanta no filme, Dudu.

    Não deve ser difícil de achar, Diego. E pode deixar que vou conferir esse selo lá.

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