Pulsão de juventude

Depois da Chuva (Idem, Brasil,
2013)
Dir:
Cláudio Marques e Marília Hughes 
Talvez
a maior força de Depois da Chuva seja
a de construir uma narrativa micro que dê conta de comentar um contexto macro.
Se a questão é focar o momento de abertura política brasileira no início dos anos 1980, com a
insurgência do movimento das Diretas Já em prol da democracia, o contexto da
criação de um grêmio estudantil num colégio soteropolitano parece o espelho
ideal de uma realidade sócio-política que estava sendo construída naquele
momento.
A
anarquia e a vontade de enfrentamento são a mola propulsora de Depois da Chuva, filme de estreia dos
baianos Cláudio Marques e Marília Hughes. O punk
rock
da trilha sonora não está ali por mero capricho, mas por fazer parte da
cultura underground dessa Salvador
pré-axé music. Ele traduz muito bem o
próprio espírito inspirador de luta, de embate, via vontade jovem de mudar o
mundo.
É
por ali que trafegam Caio e Fernanda (Pedro Maia e Sophia Corral), adolescentes
de classe média que vivenciam esse período turbulento, numa cidade pintada de
cores anarquistas de um punk rock contestador.
Ao mesmo tempo, cumprem o rito de passagem para a vida adulta. Caio vive uma
aproximação amorosa com Fernanda, entra em conflito com a mãe e sente falta do
pai que vive longe após o divórcio.
Parece
um terreno muito arriscado, tipo de filme que pode facilmente cair no tom mais
panfletário, seja no discurso político, seja no âmbito mais intimista. Por isso
é interessante ver como os diretores vão driblando cada um desses possíveis
lugares-comuns. Tudo surge e evolui com uma naturalidade invejável (ainda que em certos momentos o filme se arraste mais do que devia – nas cenas em que os amigos se encontram para fumar e tocar, por exemplo). Mas essa impressão de verdade se deve muito a um
texto enxuto, ancorado num elenco que funciona exemplarmente bem
num filme tão à vontade nas questões que mobiliza.

mesmo um forte eco de certo cinema francês, jovem e combativo, que se interessa
tanto pelo contexto histórico, quanto pela vida afetiva de seus personagens. Vai
desde Amantes Constantes em que Philippe
Garrel defende com muito amor a militância política, até o Olivier Assayas de Água Fria, naquilo que tem de mais
pulsante nos impulsos da juventude, ou mesmo o recente Depois de Maio, ao colocar os jovens numa perspectiva realista
diante das utopias políticas contestadoras. 

O
filme acompanha a passagem política do país a partir de uma transição que se dá
nesse pequeno espaço de disputas políticas e individuais por onde Caio transita.
É por onde ele também tropeça, arrisca, aprende, decepciona-se. A cena final,
carregada de pessimismo, obriga o espectador a pensar na vida política do
presente. A partir de um olhar muito aguçado para nossa História recente, Depois da Chuva torna-se um filme muito
contemporâneo ou, antes disso, que seja tão revelador sobre o nosso tempo.

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